O Racismo e o “Direito de Matar”
A ORIGEM DO RACISMO NA VISÃO DE FOUCAULT
LEILA BRITO
Parte I
A nova tecnologia de poder surgida na segunda metade do século XX
Trata-se do poder sobre a vida – Biopoder – sistema conformado na biopolítica da população, pois composto de mecanismos de regulamentação da assistência à mesma, que a toma como alvo, e não mais o indivíduo objeto do Poder Disciplinar. O poder não é mais exercido sobre o corpo do indivíduo (não mais se tem uma Microfísica do Poder), e sim sobre a vida da população. O poder não mais atua sobre o corpo individual, e sim sobre o corpo social.
Nesse processo, as doenças endêmicas, duradouras, que comprometem as condições de trabalho do indivíduo, sua força produtiva, recebem atenção do Estado, que passa a privilegiar ações de combate às mesmas. Assim, a medicina passa a exercer uma função política e o Estado uma função biolotizante. Tal biopolítica foi necessária para atender as exigências da evolução do sistema de produção capitalista.
Pelo fato de possuírem estruturas similares, poder disciplinar e o biopoder se complementaram. Ou seja, o poder disciplinar, surgido no século XVII, não foi substituído pelo biopoder. O que ocorreu foi uma justaposição dos mecanismos do poder disciplinar pelos mecanismos do biopoder.
Parte II
A função do racismo no biopoder, para o exercício do “direito de matar”
Fundamentado no princípio “fazer viver e deixar morrer”, o biopoder tem por objetivo a proteção da vida, ao contrário do poder soberano, por sua vez fundamentado no princípio “fazer morrer e deixar viver”, concedendo ao soberano o poder de morte e de vida sobre os súditos.
Tendo em vista a necessidade do Estado de exercer o poder soberano de morte, mas tal poder ir de encontro ao princípio mor ou função do biopoder – de proteger a vida ou “fazer viver” – a forma que o Estado encontrou para exercer o direito soberano de matar foi o Racismo, que atua como o mecanismo de “fazer morrer” no domínio do biopoder.
Caracterizado pela fragmentação do corpo social em raças e subraças, o Racismo Moderno é de fundamentação biológica. Dividindo a população em grupos raciais superiores e inferiores, sua função primordial é justificar o poder assassino do Estado, pautado no objetivo de purificação das raças por meio de guerras, para a eliminação das raças inferiores. Assim, embora de forma paradoxal, o Estado exerce o direito de matar em nome da vida.
Neste sentido, para Foucault, o Racismo seria a condição sine qua non para exercer o direito de matar direta ou indiretamente: “A raça, o racismo, é a condição de aceitabilidade de se tirar a vida numa sociedade de normalização. Quando vocês têm uma sociedade de normalização, quando vocês têm um poder que é, ao menos em toda a sua superfície e em primeira instância, em primeira linha, um biopoder, pois bem, o racismo é indispensável como condição para poder tirar a vida de alguém, para poder tirar a vida dos outros. A função assassina do Estado só pode ser assegurada, desde que o Estado funcione no modo do biopoder, pelo racismo”. (Foucault, 2010, p. 215).
Ao engendrar a imediata relação entre alguns aspectos da teoria de Darwin e determinadas políticas racistas, Foucault reveste cientificamente o racismo com a política. Então, o racismo se desenvolve e é aplicado via colonização, genocídios e massacre de civilizações. Ou seja, toma-se o racismo, o biopoder, como justificativa técnica para o Estado se valer do “direito de matar”.
Referência
FOUCAULT, Michel. Il faut défendre la société . Cours au College de France. 17 mar. 1976, p. 285-315.
FOUCAULT, Michel. Em defesa da sociedade. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes; 2010.
Ilustração
Foto de autor desconhecido desta editora.
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