A Liberdade em Eros
A Liberdade em Eros
“O que fazemos por amor sempre se consuma além do bem e do mal”, disse Nietzsche. “O que fazemos por coerção”, escreve Kant, “não o fazemos por amor”. E Comte-Sponville sintentiza, “isto se inverte: o que fazemos por amor não fazemos por coerção, nem, portanto, por dever”. Assim, concluo eu: O AMOR É LIBERDADE.
Este pode ser um fundamento seguro para um discurso da liberdade em Eros, o qual, segundo inspiração de Sócrates à definição de Platão em O Banquete, “ama aquilo que lhe falta”. E porque “todo amor é amor a alguma coisa que ele deseja e que lhe falta”, Sócrates infere que “O amor não é completude, mas incompletude. Não fusão, mas busca. Não perfeição plena, mas pobreza devoradora”. E o filósofo conclui: “O amor é desejo, e o desejo é falta”. Sendo assim, “só há desejo se a falta é percebida como tal, vivida como tal”.
Sim! Pois não se pode desejar o que não se sabe que falta. Estar apaixonado, portanto, é desejar o outro que não se tem. Assim, todo amor em Eros é desejo: o desejo determinado de certo corpo, quando esse corpo faz falta. O amor em Eros, compreende Platão, “ama aquilo que lhe falta e que não possui”. Plotino resume essa filosofia: “O amor é como um desejo que, por sua própria natureza, seria privado do que deseja, e permanece privado, mesmo quando alcança seu objetivo”, que é a posse do corpo desejado. Assim, conclui Comte-Sponville: “uma falta, ao ser satisfeita, desaparece enquanto falta: a paixão não poderia sobreviver por muito tempo à felicidade, nem a felicidade, sem dúvida, à paixão”. Nisto reside o grande sofrimento do amor, quando a falta domina. E a felicidade suprema, quando a falta é saciada. Porém, quando não é, a alma se angustia em espera aflita.
Esse entendimento é precioso, pois se o amor é falta, sua lógica é sempre tender mais e mais para o que falta, para o que falta cada vez mais, para o que falta absolutamente. Porém, muitas vezes, o que falta não é amor, mas prazer sexual. Isto explica o comportamento de muitas pessoas que buscam o amor muito mais pela falta do sexo, do que, propriamente, pela falta de Eros. “Estar apaixonado é outra coisa, e mais, do que estar em estado de frustração ou de excitação sexual”, elucida Comte-Sponville. Outras, mesmo desejando Eros,inconscientemente o rejeitam, por medo do sofrimento a ele inerente, e buscam o atalho da excitação e prazer sexual para compensar a carência afetiva.
Esses pontos podem concentrar e explicar a dificuldade dessas pessoas em se direcionar para um foco definido em sua procura, em mirar exclusivamente um determinado alguém, perdendo-se do rumo certo de sua busca, desnorteando-se de seu objetivo, quando esse objetivo é o encontro de Eros. Pode ser esta a razão porque acabam por confundir liberdade com promiscuidade. Mesmo que tal promiscuidade não seja sexual, mas uma promiscuidade afetiva, do ponto de vista emocional, fazendo com que se percam de Eros, ao se lançar num círculo vicioso de insatisfação permanente, escravizando-se a uma ânsia insaciável por novos encontros, sempre desejando conhecer mais e mais pessoas, de forma incontrolada, e assim, se aprisionar numa busca desnorteada de rumos. Tão desnorteada, que isso as impede de identificar o amor quando o encontra; de identificar o verdadeiro Eros – que ama a pessoa especial que falta encontrar, mas que, encontrada, não é reconhecida. Nesse processo reside, pois, o perigo de se confundir liberdade com abertura para a promiscuidade, o que, nada mais é, que a prática da libertinagem.
Quando a liberdade é confundida com libertinagem, Eros se distancia. Quando a liberdade é confundida com egoísmo, Eros se ausenta. Quando a liberdade é confundida com manipulação, Eros se desilude. Por que? Porque a liberdade só é autêntica em Eros, quando partilhada. Assim, é necessário saber viver a própria liberdade sem inibir a liberdade do outro. Quando uma pessoa vive a liberdade em relação ao outro, mas impede o outro de viver sua liberdade em relação a ela, também acontece uma situação de falsa liberdade. Na verdade, o que essa pessoa está a viver não é uma liberdade, mas uma suposta liberdade, uma pseudoliberdade, uma vez que não partilhada com o outro; ou seja, vive sua “liberdade” aprisionando o outro na impossibilidade de se sentir livre para viver, com ela, a própria liberdade. Eu pergunto: que liberdade é esta, se apoiada na prisão do outro? Deixar o outro livre é deixá-lo solto para buscar outras pessoas, mas incluindo nossa pessoa nesse espaço de busca; assim, deixar o outro livre para buscar os outros nos obriga a deixá-lo também livre para nos buscar. Impedir o acesso a nós é castrar sua liberdade.
A liberdade não aceita impedimento de espécie alguma; não aceita a metade de seu termo; exige plenitude em si mesma. Portanto, para ser verdadeiramente livre, a liberdade imprescinde de compartilhamento, exige reciprocidade de partilha. Somente assim é efetivamente livre. Somente assim é LIBERDADE.
E somente ao viver uma liberdade autêntica, Eros se manifesta em sua plenitude total; em sua beleza sublime; em sua essência absoluta.
LEILA BRITO
Belo Horizonte, 02 ABR 2006.
Ilustração:
Psyché et l’Amour – François Gerard (1798) – óleo sobre tela.
Referência:
BRITO, Leila. A Liberdade em Eros. Folha de Nova Lima, Nova Lima, 31 ago. 2007. Caderno Cultura, p. 5.
Desculpe, mas só pude vir agora.
Tudo que se refere à Liberdade(como no penúltimo parágrafo) se aplica perfeitamente e justo. Vou percorrer todo o seu trabalho e volto à fazer contato.
Obrigado pelo convite. Bjs , Carmen
Leila,
Textos profundos e percucientes. Ótimo conteúdo. Parabéns pela estética literária e pela reflexão filosófica que compõem um convite à reflexão.
Oi Leila, é um prazer conhecer teu blog. Tenho amigos e amigas aí nestas paragens maviosas. O pessoal do Simpro.
Já que falas de amor “ele é o mais velho dos Deuses, é o princípio que transforma em heróis os jovens comuns, porque o amante anseia não somente por encontrar a beleza, mas por criá-la, perpetuá-la, por plantar num corpo mortal a semente da imortalidade. E é por isso que se amam os sexos, e os pais amam seus filhos, porque eles c riam, não somente companheiros, mas eternos sucessores da busca da beleza”. Acho que é de sócrates. Abraço, Zenir.
Desse modo, a liberdade vai de passagem para que o amor seja livre…
Oi Leila,
Recebi o seu convite para visitar o blog, queria dizer que o achei fabuloso. Gostei muito do conteúdo que encontrei por aqui e vou salvar o link para voltar outras vezes.
Este post sobre amor versus liberdade me fez lembrar um dos primeiros posts que publiquei no meu blog:
http://diariodecarina.wordpress.com/2007/11/03/lutas-validas/
Embora não tenha uma reflexão tão profunda e rica de pensamentos de outros filósofos, como no seu caso, a essência é a mesma.
Um grande abraço!
Professora Leila Brito,
As recentes pesquisas sobre o amor tendem a considerá-lo no ser humano, um estado de ânimo complexo e fundamental, cujas raízes profundas, muitas vezes inconscientes ou subconscientes, alimentam toda a vida afetiva e sentimental, o comportamento moral e social, as aspirações filosóficas e religiosas.
E um estado de ânimo que age ou reage sobre o conjunto de todas as nossas faculdades e capacidades, quaisquer que sejam, que por sua vez também agem ou reagem, em seu exercício, sobre esse estado de ânimo.
Há algumas pessoas a quem a prova da vivência repugna, no sentido de que outros participem de suas afetuosas simpatias, das quais são ciosas; ficando o amor restrito a um círculo íntimo de parentes ou de amigos, e todos os outros lhes serão indiferentes.
Para praticar a lei do amor, tal como o Supremo a entende, é preciso que chegamos progressivamente, a amar todos os nossos irmãos, indistintamente.
A Lei do amor é o primeiro e o mais importante preceito do nosso dever, porque é a lei que deverá, um dia, matar — o egoísmo –, sob qualquer forma que ele se apresente; porque, além do egoísmo pessoal, há ainda o egoísmo de família, de casta, de nacionalidade.
Qual é o limite do próximo? a família, a seita, a nação? Não, é a Humanidade toda.
O ato totalmente indeterminado seria fruto do acaso e não nos diria respeito.
Assim, muitos filósofos, como os estóicos, na antiguidade, admitiram que não há contigência no mundo: tudo é necessário, não havendo, portanto, ato propriamente livre.
Todavia, ante essa necessidade universal, duas atitudes são possíveis: ignorá-la ou aceitá-la. Parece dificultoso connciliar essas duas atitudes ou, antes hierarquizá-las, sem compreender que a liberdade humana não é apenas psicológica e mesmo metafísica, mas também moral.
O livre-arbítrio , o poder de escolha, é necessário para fundar a responsabilidade, mas não fornece razão alguma para optar por isto ou por aquilo. A liberdade não é boa por ser liberdade, é preciso que ela se justifique ante a justiça, a verdade e o bem.
A verdadeira liberdade não provém da indeterminação, mas da natureza da determinação. O homem verdadeiramente livre é aquele que adquiriu o hábito do bem que o escolheu tão profundamente que lhe seria impossível agir mal.
A liberdade autêntica é a liberdade do sábio, que porém, não é concedida já pronta: é preciso optar
por ela e realizá-la.
Somos menos responsáveis pelo que fazemos do que pelo que somos. Mais do que uma opção entre dois atos, a liberdade constitui uma attitude de todo o ser, através da qual ele escolhe a si próprio.
Seria, pois, preciso falar da intedeterminação de nosso conhecimento do determinismo, e não de indeterminismo puro e simples, termo cujo perigo foi assinalado por Louis de Broglie, pois ele parece indicar que a ciência deveria renunciar à validade do princípio de determinismo. Nem o próprio Einstein deixou de lutar contra essa política que um fenômeno de ordem material fosse a priori
declarado inacessível à análise científica.
abraços/ Marilda Oliveira
Cara Marilda,
Você inspirou-me a publicar um ensaio que fiz, a um tempo atrás, sobre a teoria do Amor criada pelo filósofo francês André Comte-Sponville, que o divide em três espécie: Eros (amor-paixão), Phlilia (amor-amizade) e Agapé (amor-caridade).
Portanto, o amor ao qual você se referiu em seu comentário é o Agapé – esse que dedicamos ao próximo, ao outro nosso desconhecido, e é destituído de qualquer exigência de retribuição, sendo, por isso, considerado o amor mais puro – é pautado na SOLIDARIEDADE. Trata-se do amor pregado pelo apóstolo Paulo, e que também está sujeito à liberdade de ser em seu sentido lato e stricto.
Sobre Philia, trata-se do amor que não exige a posse da pessoa amada, e é o que sentimos pelos familiares e amigos – você também se referiu a ele em seu comentário. Mas ele carrega em si um pouco de egoísmo, porque exige reciprocidade. Ex.: que mãe aceita não ser amada pelo filho? Que amigo aceita não ser amado pelo amigo? É esse tipo de exigência que AGAPÉ dispensa. Ele é altamente altruista. Por isso, é considerado pelo filósofo como o Amor realmente puro.
O que não quer dizer que, por isso, Eros não seja amor de verdade e não possua a sua beleza própria e sua plenitude. É um amor belíssimo e muito importante, porque é o responsável pela geração da vida. Por isso, ele é egoísta e deseja a posse do corpo do outro: para procriar. Quer coisa mais bela?
Neste ensaio, eu abordei apenas Eros, ou seja, esse amor-paixão, que se caracteriza pelo desejo de posse do “objeto” amado. Falei do sentido da Liberdade no plano da vivência em Eros, que deve ser visto de forma prazeirosa e confiante. Nunca devemos admitir em nós a morte de Eros. Seria um crime hediondo contra a nossa felicidade.
Importante considerar fundamentais o exercício dos três tipos de amor. Eles se complementam em si, sendo TODOS os três primordiais à plena realização humana.
Gostei muito das suas reflexões sobre o amor-caridade – Agapé. Riquíssimas. Realmente, é ele o responsável pelo equilíbrio universal. Se não somos capazes de senti-lo, seremos incapazes de sentir Philia e Eros.
Como vê, fizemos, nós duas, mais dois ensaios… rsrs Menina… É nisso que dá filosofar.
Abraço,
Leila
Sobre o amor…. em EROS, todos nós sabemos um pouco, experimentamos, sonhamos, idealizamos, concretizamos ou não, faz parte da nossa essência buscar o outro, para nos sentirmos plugados à vida, e é na vivência deste amor que projetamos a nossa propria felicidade. O amor em Eros é o mais democrático dos amores, e por ser o mais democrático, é o mais contraditório, o mais rico de nuances, beleza, egoísmo, ciúmes, possessão e até violência. O amor em Eros expõe as nossas fragilidades. Mas o que dizer do amor ao distante, àquele que não dorme comigo, que não está comigo e não faz parte das minhas relações nem do meu convívio, o amor descompromissado com o meu futuro e a minha descendência, o amor que só presta contas a minha consciência, o amor que não se colhe, se planta, que não tem laços de sangue nem de amizade, o amor solidário ao sofrimento do outro, o amor ao distante que está no chão da nossa esquina e lá em África, na Palestina, nos subúrbios daqui e de toda América Latina, que dizer deste amor, que ninguém sublima e canta, que se morre de medo e espanta a primeira lágrima… gratuito, vão, desembalado, desenfeitado, sem garantias, a revelia, livre, desembestado, abusado, temido, escorraçado, este amor que se sustenta na sensibilidade que não tem visibilidade nem sexualidade, desglamourizado…fora de época, de moda e de sentido, amor solidário aos distantes, que não é meu parente, meu paciente, meu cliente, meu amante, meu amigo. Quem ousará sentir,quem?
Kátia,
Respondendo sua pungente pergunta, “quem ousará sentir, quem?, digo: TODAS AS PESSOAS SENSÍVEIS, mas apenas elas – seres realmente Humanos – ousariam (ousam) perder-se em Agapé, neste amor-maior, amor-esteio, amor-uno, porque de mão única em estrada sem volta.
Grata pelo tocante filosofar.
Abraço,
Leila
Vindo de uma grande escritora e filósofa como você, só posso dizer que me sinto muito honrada pelo elogio.
=D
Abraço!
Leila Brito. Estou amando filosofar:
EROS Divindade grega cujo nome representa uma função psíquica — o desejo amoroso —, Eros ocupava lugar de destaque na reflexão religiosa e na vida social e artistica dos antigos gregos.
Na cosmogonias òrficas que relatam o surgimento do mundo, Eros era uma força primordial, que não tem pai nem mãe.
É o uno que, na origem de todas as coisas, integra e dá unidade a princípios opostos, como o feminino e masculino, o uno e múltiplo. Esta representação de Eros desenvolveu-se num meio místico, que aspirava intensamente à unidade e à plenitude originais, recusando um mundo diferenciado, em que os seres e as coisas estão separados, fragmentados.
Posteriormente, foi considerado filho de Hermes e Afrodite, ao lado da qual era frequentemente representado como uma criança, provida ou não de asas. Era objeto de um culto particular em Téspias e aparece em muitas lendas, entre as quais a de Psiquê.
No colégio as freiras não discutia estes temas, mas
guardei todos os livros. espero para breve a tese por tí desenvolvida, sobre a teoria do Amor criada pelo filósofo francês André Comte-Sponville, que o divide em três espécie:
abraços/Marilda
Cara Marilda,
Seus comentários enriquecem este espaço, pois acrescentam-lhe vitalidade, neste caso, uma vitalidade histórico-mitológica.
A Mitologia é, sem dúvida, permeada de uma sabedoria ímpar.
Grata pela participação,
Leila
Leila Brito, ainda não sei se de infinito ou de “bunito”! Pode ser os dois e sempre repito, quase, por estar longe, descontente e aflito, aqui vou, então, deixar meu agito, segue para na rede da internet e do seu blog ficar descrito meu comentário após conhecer ” su bloguito” …
Filosófico, conceitual, racional, “paranormal”, apartidário social, surreal, praticamente letal, nada banal e tanto quanto carnal, não sei se fatal mas ao ler virei o “tal”! Parabéns pelo espaço sugerido e ganhaste um seguidor virtual. Hasta … gosto de amigos e sugiro um café com conhaque ao relento de um dia qquer com constantes sorrisos, movimentos corporais e pensamentos jogados ao desconcerto da expontaneidade … saudações em conhecê-la …
O amor é tudo de bom. Muito interessante o seu texto. E o seu blog. Parabéns.
Leila estou sempre aqui…
Não comento, sou de poucas palavras
Só saliento que está fazendo um bem admirável…
Adoro vc
Diva
A interpretação que ainda domina vem de Platão. É a da «falta». Porém, Espinosa, Nietzsche e Freud interpretam doutros modos. O amor passional é atracção física em 1ºlugar (a amizade é outra coisa)e desejo de fusão física.
Obrigado Leila pelo convite.O que lí, gostei.O que ví, também.
Esta sua elaboraço filosófica me remete, nao sei bem porque ,a alguma coisa que lí doOtavio Paz falando no erotismo e no amor…”sexo é a raiz, o erotismo,o caule, a flor ,o Amor”…acho que é por aí…a flor completa o ciclo de realizaçao , ..Um beijo.Voltarei a leer aos poucos e com tempo…
In it something is. Thanks for the help in this question.
muito bom!