Aula 1

O PROCESSO DA CRIAÇÃO

O Processo da Criação
O  Processo da Criação

 

Nada  podes  ensinar  a  um  homem. Podes somente  ajudá-lo  a  descobrir as coisas dentro de si mesmo (GALILEU).

Cada ser humano nasce com algo novo, algo que jamais existiu antes. À sua maneira, pode ver, ouvir, tocar, experimentar e pensar sozinho. Cada um de nós tem suas próprias e únicas potencialidades, e pode ser criativo por si mesmo (JAMES e JONGEWARD, 1983, p. 17).

Ser criativo implica em deixar fluir os sentimentos, através da manifestação espontânea das emoções mais profundas. Um processo que remete a pessoa ao universo obscuro de sua essência sensitiva, para possibilitar um retorno ao universo transparente de sua essência criativa.

A pessoa criativa é aquela que se permite atuar nesse processo, trazendo de dentro de si os elementos motivadores da criação, seja ela um gesto, um ato ou uma obra de arte. Buscar dentro de si e criar, implica em se revelar, se mostrar, se expor, de uma forma pura, espontânea e transparente.

A pureza implica no despojamento de si: “o eu só é puro quando está purificado de si. O ego suja tudo aquilo que toca” (COMTE-SPONVILLE, 1995, p. 195). A espontaneidade implica em liberdade de si: em expor o sentimento – “não reagir de forma fixa e determinada”. A transparência implica em revelação de si: “na coragem para ser e mostrar a pessoa única que realmente somos” (JAMES e JONGEWARD, 1983, p. 19).

Assim, o ato da criação implica, antes de tudo, em autenticidade: “A pessoa autêntica sente a sua própria realidade conhecendo a si mesma, sendo ela mesma. […] Tem consciência de sua singularidade sem precedentes”. A pessoa autêntica prefere ser ela mesma: “Tem consciência de que há diferença entre ser agradável e parecer agradável, entre ser estúpido e parecer estúpido, entre ser culto e parecer culto. Não precisará ocultar-se atrás de uma máscara” (grifos nossos) (JAMES e JONGEWARD, 1983, p. 17-18).

Porém, como concluiu Cummings, “não ser ninguém-a-não-ser-você-mesmo, num mundo que faz todo o possível, noite e dia, para transformá-lo em outra pessoa – significa travar a batalha mais dura que um ser humano pode enfrentar; e jamais parar de lutar” (CUMMINGS apud JAMES e JONGEWARD, 1983, p. 275).

Desta forma, o processo da criação implica, por extensão, em desafiar a força da opressão imposta pela sociedade, que busca moldar o ser humano dentro de um padrão de comportamento fixo; dentro de um modelo de comportamento previsível. Portanto, dentro de um paradigma de postura que inibe, e muito frequentemente, anula a manifestação e expressão de sua individualidade. Como percebeu o filósofo da dança Klauss Vianna:

É difícil vivenciar com intensidade nossas emoções e sentimentos mais profundos. Por vezes, esse enfrentamento assume a conotação de um risco, que nem todos estamos dispostos a enfrentar. Acostumados a introjetar a ordem à nossa volta, habituamo-nos a não olhar, não ouvir, não sentir intensamente e desprezar a importância dos fatos e acontecimentos menores, quase imperceptíveis – embora fundamentais (VIANNA, 2005).

É assim que se processa a fuga de nós mesmos e de nossa responsabilidade para com a manifestação plena da singularidade da nossa pessoa. É assim que anulamos nossa criatividade, pois conforme Klauss Vianna:

no terreno da arte, a obra só toma corpo na relação que o artista mantém com a realidade que o cerca, mesmo que essa relação seja atravessada pelas mediações mais sutis. O artista, como criador, mais do que ninguém, necessita aguçar  sua percepção do real, e o momento da criação pressupõe e ao mesmo tempo encerra o processo do autoconhecimento (VIANNA, 2005).

E o processo do autoconhecimento pressupõe, e ao mesmo tempo encerra, a integração do homem com seu mundo interior, como o ponto de apoio de sua integração com o mundo exterior. Um processo que parte de dentro para fora, assegurando a autenticidade do pensamento e a liberdade de sua expressão, ou seja, a manifestação da criatividade.
 
REFERÊNCIAS

COMTE-SPONVILLE, André. Pequeno tratado das grandes virtudes. São Paulo: Martins Fontes, 1995..

JAMES, Muriel; JONGEWARD, Doroty. Nascido para vencer: análise transacional com experiências gestalt. 10 ed. Tradução de Maria Eunice Paiva. São Paulo: Brasiliense, 1983.

VIANNA, Klaus. A Dança. 3 ed. São Paulo: Summus, 2005.

LEILA BRITO
Professora, escritora e poeta.

Referência deste artigo:
BRITO, Leila. O processo da criação. In: BRITO, Leila. O texto e seu contexto: técnica de redação. Belo Horizonte: LetraporLetra, 1995, p. 12-13.