Aula 4

O QUE É POESIA E QUEM É O POETA

Caro leitor-poeta, agora você que já sabe o que é “código literário” e como se processa a codificação e decodificação metafóricas, está preparado para assimilar o conteúdo técnico deste texto maravilhoso (abaixo), conscientemente codificado pelo seu autor, o grande poeta mineiro de Rubim – Vale do Jequitinhonha, Wesley Pioest, com a intenção poética de traduzir em palavras a significação da poesia e do poeta.

Drummond

Com a Palavra um Poeta de Rubim

Um escritor é ao mesmo tempo o conjunto de regras, evidências e fabulações contidas em seu texto. Como mensurar o imenso mosaico de ricas experiências e sentidos que o autor apresenta à aventura do leitor?

Não quero dizer, contudo, que a literatura não possua regras e ambivalências necessárias. A poesia, principalmente. É desse arcabouço de espelhos homogêneos onde se reflete a permanente  dúvida da existência que a poesia extrai seu frágil equilíbrio: a palavra e o código escrito, o silêncio e o espaço ritmico, a significação e a universalidade sensorial. Enfim, nada que a arte desconheça ou de que o artista possa prescindir.

A poesia é invenção. Além disso e muito mais, é disciplina e ouriversaria, oficina de cuidados, alquimia e signo transcendente,   poder  de  exclusão   e   conhecimento   abissal; a poesia mais esconde que declara, sem deixar vestígios pelo assoalho onde dormem os sonhos. O poeta não é aquele que quer dizer, mas o que tem alguma coisa a dizer e consegue fazê-lo por meio de estruturas de idéias, signos e ritmos instransferíveis. A poesia deve ser o resultado de uma equação elaborada ao nível dos propósitos conscientes do autor.

Talvez seja mais que isso, e sobretudo uma solução que nos proporcione o contato com a  formulação da dúvida. A poesia não é a resposta,  é o que pergunta. Não é onde vamos encontrar, mas por onde caminhamos em busca do paraíso perdido. A poesia (a arte) deve muito mais inquietar.

E o poeta, ao contrário do estereótipo convencional, não morre tuberculoso aos vinte e cinco anos, não vive de brisa, não é um sofredor que sonha de amor à beira do precipício, nem é um mendigo das emoções alheias. O poeta é quem anda provocando a consciência e convidando os homens para o banquete no dia vindouro. O poeta é quem lê os papiros da noite infame, mostra a nudez dos reis e revela o escuro aos cegos que recebem visitas aos domingos. O poeta é quem ainda não desistiu de navegar longe dos embarcadouros e promover motins nos banheiros do pentágono.

A poesia, quando nos encontra, chega sem fazer ruído, entra pela porta dos fundos, não se faz anunciar. Fica ao nosso lado e beija-nos a face escura. Quando a poesia beijar a sua face, dê-lhe a outra.

WESLEY PIOEST
Poeta , Escritor e Compositor.

Referência:
PIOEST, Wesley. Com a palavra um poeta de Rubim. In: BRITO, Leila; BRITO, Ângela, SOARES, Clóvis; BRITTO, Eugênio; ALVES, Rosa. O princípio é o verso. Belo Horizonte: Lutador, 1989. p. 9-10.

Ilustrando com um poema de Drummond…


No meio do caminho

No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.

Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.

CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE

Referência:
ANDRADE, Carlos Drummond. No meio do caminho. Revista de Antropofagia, 1928.