“Higesipo Brito” por Higesipo Brito (Cap. VIII)
Higesipo em sua moto Harley-Davidson,
Rio Acima – [1949]
AS MEMÓRIAS DE UM MENINO, DE UM RAPAZ, DE UM HOMEM
HIGESIPO BRITO
O ano de 1948 corria tranquilo quando, no mês de novembro, a família foi surpreendida pelo surto de paralisia infantil, que atingiu a pequena Leila de apenas dez meses de idade. Presente na região de Nova Lima, para onde Higesipo costumava se deslocar a trabalho, em visitas ao hospital Nossa Senhora de Lourdes, o vírus fez várias vítimas por onde passou. Diante de um diagnóstico tardio e da previsão do médico ortopedista Werlerson de Lima da total impossibilidade de reverter a paralisia então estabilizada, o angustiado pai e enfermeiro insistiu no desafiante tratamento à base de compressas quentes, junto com Maria, até conseguir recuperar a sensibilidade e os movimentos da perna atingida, dedicando-se em seguida a uma intensa fisioterapia orientada, o que possibilitou que a menina conseguisse andar pouco meses depois.
Higesipo, Leila, Diana, Stela e
Humberto – Rio Acima – 1949
No final daquele ano, em 27 de dezembro de 1948, da condição de distrito de Nova Lima, Rio Acima foi elevada à categoria de município. Tal evento, de grande importância histórica, teve a participação de Higesipo como implantador dos Serviços de Fazenda da Prefeitura Municipal, durante o período de Intendência – tempo compreendido entre a emancipação e a posse do primeiro prefeito eleito. Atendendo solicitação histórica, este relator foi cedido pela Sociedade Beneficente Tereza Giannetti ao Serviço Público Municipal para, ao lado do então Intendente – o farmacêutico Belmiro Jardim Pinto Coelho, organizar os registros fazendários do município, cargo que deixou, espontaneamente, logo após a posse do prefeito eleito Osvaldo Curry Carneiro – médico da Casa de Saúde Pedro Giannetti – retomando suas funções na sociedade beneficente.
Primeira página da Ata da Fundação do
Município de Rio Acima, escrita por
Higesipo Augusto de Brito – 1 de jan. 1949
O prefeito e médico Osvaldo Curry Carneiro,
discursando na Praça da Matriz – 1949
O ano de 1952 iniciou com a participação de Higesipo em mais um animado carnaval na cidade, desta vez abrilhantado pelo sucesso das marchinhas Maria Candelária e Sassassaricando. Maestro da Lira Musical Santo Antônio, também participou de todos os eventos religiosos e cívicos para os quais a banda foi convocada, mantendo-se também à frente do grupo de jazz do Rioacimense Esporte Clube.
Higesipo com Humberto, Stela, Leila e Britinho
Carnaval de 1952 – Rio Acima
No mês de maio, em razão de fortes prejuízos que passaram a ser detectados anualmente em seus balanços, a paralisação das atividades da Sociedade Beneficente Tereza Giannetti tornou-se inevitável. Nesse processo, o atendimento médico-hospitalar realizado pela Casa de Saúde Pedro Giannetti sofreu um forte impacto negativo, o que resultou em sua paralisação progressiva.
Vista da cidade de Rio Acima – Anos 1940
Diante desse fato preocupante, e na tentativa de proporcionar mais segurança financeira e conforto à família, então composta de seis filhos: Britinho, Stela, Humberto, Leila, Francisquinho e Riva, Higesipo decidiu, em caráter experimental, mudar-se para Belo Horizonte. Tal decisão envolveu a compra de um bar na capital e o aluguel de uma casa na Rua Costa Monteiro, n° 600, no bairro Sagrada Família, próximo à residência de seu irmão José e família. Infelizmente, porém, a iniciativa não foi acertada e o retorno a Rio Acima se fez inevitável. Assim, depois de pouco mais de três meses de nova moradia, no início do mês de setembro de 1952, impedido de rescindir o contrato ainda vigente da aquisição do bar, este relator passou a sua administração ao seu irmão Totone (de saudosa memória).
De volta a Rio Acima, além do posto de saxofonista na Lira Musical Santo Antônio, Higesipo reassumiu seu emprego na Sociedade Beneficente Tereza Giannetti do qual havia se licenciado, onde permaneceu até 27 de agosto de 1953, ou seja, mais de um ano após a paralisação de suas atividades, ocorrida em maio de 1952. O motivo da prorrogação de sua permanência deveu-se à obrigação jurídica de formalizar o encerramento burocrático daquela instituição. Assim, após a conclusão dessa tarefa, passou a estudar a proposta de sua transferência para a S/A Metalúrgica Santo Antônio.
Lira Musical Santo Antônio
Início dos Anos 1950
Em 6 de outubro de 1953, após ter-se reunido com o então diretor-gerente da Samsa, por exigência sua e a portas fechadas, Higesipo aceitou a proposta de sua transferência, assumindo, a contragosto, o cargo de Assistente da Gerência. Ocorreu que ao receber do gerente as seguintes instruções via Ordem de Serviço n° 069: dirigir, coordenar e distribuir os serviços do escritório; zelar pela assiduidade, pontualidade e disciplina no escritório; e controlar os serviços de portaria e ronda, recusou o cargo, alegando motivo de convivência e até de coleguismo com os funcionários do escritório, propondo, então, à gerência que lhe fosse dada uma simples banca de trabalho. Isto porque experimentou, por parte dos funcionários do escritório, uma forte reação contrária a que o posto de chefia lhe fosse concedido, isto em razão do clima de insatisfação geral com o corte dos benefícios que recebiam da Sociedade Beneficente Tereza Giannetti (onde Higesipo acumulava as funções de enfermeiro e responsável pela contabilidade), manifestada com uma indisciplina generalizada.
O novo cargo exigia, além de reuniões sistemáticas com o gerente da empresa, a adoção do critério ordem dada-ordem executada, a fim de que os serviços, então praticamente paralisados, entrassem em suas rotinas normais, o que, felizmente, Higesipo conseguiu que acontecesse. Assim, as responsabilidades funcionais de chefe de um escritório dividido em cinco seções (pessoal, tesouraria, contabilidade, produção e matérias primas), com um total de vinte e oito funcionários, além dos setores de portaria e ronda, passaram a pesar sobre seus ombros, pois recusada que foi sua proposta alternativa, viu-se obrigado a aceitar o cargo praticamente imposto, exercendo-o pelo período aproximado de três anos. Desta forma, Higesipo fez a sua passagem da Casa de Saúde Pedro Giannetti para o escritório da S/A Metalúrgica Santo Antônio.
Procissão com bênção da S/A Metalúrgica Santo Antônio [1957]
Em primeiro plano, o jipe usado por Higesipo em seu trabalho.
Nessa época, em razão da forte crise política que atingia o governo Getúlio Vargas, crise esta geradora de consequências negativas à economia do país, a empresa vinha registrando anualmente em seus balanços um prejuízo financeiro de ordem crescente, o que levou o diretor financeiro a solicitar a Higesipo a criação de um sistema de controle da produção que permitisse detectar, numa aproximação máxima, o custo por unidade produzida, medição esta necessária à redução de tal prejuízo financeiro, numa tentativa de revertê-lo. Ao criar o sistema solicitado, este relator lhe deu o formato de um boletim, no qual deveriam ser registrados, pelos encarregados de seção, o tempo de duração, a energia elétrica e todos os outros elementos que constituíam o processo de acabamento de cada peça fabricada. Nessa tarefa, enfrentou uma verdadeira guerra funcional. Os boletins eram preenchidos, porém os responsáveis pelo seu preenchimento se recusavam, categoricamente, a assiná-los, o que foi feito somente depois de uma suspensão aplicada, por ordem da gerência, aos operários que promoveram a paralisação de uma das seções como forma de protesto contra o necessário sistema de controle de custo. Tais detalhes merecem ser revelados, exclusivamente, no sentido de que fiquem também registrados, neste relato, os aborrecimentos pelos quais este relator passou no decorrer do exercício profissional.
Infelizmente, ao contrário do que se esperava, ao invés de debelada, a crise financeira da empresa foi se agravando a partir do evento político do suicídio de Getúlio Vargas, em 25 de agosto de 1954, que refletiu negativamente na economia nacional. Assim, na função de chefe do escritório, dois anos depois, em julho de 1956, Higesipo recebeu a triste incumbência de preparar uma folha especial de pagamento, incluindo os direitos trabalhistas de todos os empregados com até nove anos de casa e, poucos dias depois, do mesmo modo, preparou os documentos de dispensa do serviço do restante dos empregados, esses considerados estáveis, sendo poupados apenas uns poucos dos quais a empresa se valeria para o gradual encerramento das atividades industriais. Tanto na primeira quanto na segunda folha de dispensa, uma grande maioria era composta de chefes de família. A reação que se via era de profunda tristeza estampada no rosto de cada um, o que constituiu, para este relator, um trabalho altamente penoso. Assim, encerradas que foram as atividades industriais da empresa, o alto-forno foi abafado, em processo necessário à conservação de uma alta temperatura por determinado tempo.
Maria Margarida (Guida) aos 2 anos – 1957
Para fins de importante registro no âmbito de suas mais caras memórias, há que retroceder alguns meses, mais precisamente a 27 de julho de 1955, quando Higesipo perde a pessoa mais amorosa e generosa que até então conhecera e a quem devia a própria vida: sua mãe Maria Margarida, que acometida de uremia, doença caracterizada pelo excesso de ureia no sangue em razão de insuficiência renal, veio a falecer após muito sofrimento. Mister registrar a assistência que suas bondosas filhas Margarida e Guilhermina prestaram-lhe durante a enfermidade e no instante final. Homenageando a mulher cujo coração transmitia, em todos os momentos, seja no cantar, seja no trato familiar do dia-a-dia, seja na saúde ou na doença, simplesmente AMOR, Higesipo e Maria batizaram “Maria Margarida” a filha nascida quatro meses depois, em 22 de novembro de 1955.
Retomando o relato interrompido, depois da dispensa da maioria dos empregados da Samsa em 1956, sob orientação e responsabilidade de um técnico siderúrgico imediatamente contratado, foi dada a continuidade na produção do alto forno, que teve suas cuba e rampa revestidas para uma nova campanha, no sentido de mais uma tentativa dos proprietários da empresa de manter de pé o movimento industrial.
Nesse processo, com a dispensa do engenheiro agrônomo, houve por bem que a empresa transferisse Higesipo do escritório para o Departamento de Carvão e Domínios, quando, então, passou a empreender viagens para contato direto com as diversas fontes de produção de matérias primas, em especial, com as produtoras de carvão localizadas em várias cidades: Bocaiuva, Engenheiro Navarro, Contria, Corinto, Morada Nova de Minas, Araçaí, Sant’Ana de Pirapama, Sete Lagoas, Ponte Nova, Viçosa, Canaã, Cristiano Otôni, Catas Altas do Mato dentro, Santa Bárbara, Santa Rita e outros.
Vista de Rio Acima tendo em primeiro plano
os galpões da SAMSA e à esquerda a ponte
sobre o Rio da Velhas – Início dos Anos 1950
Até certo ponto, não foi difícil manter o abastecimento de carvão. Depois de um tempo, porém, com a instalação de um sem número de altos-fornos nas cidades circunvizinhas, Rio Acima ficou totalmente ilhada para a entrada da referida matéria prima, motivo pelo qual, muitas das vezes, num ponto qualquer da estrada, este relator estacionava seu carro, na maioria das vezes à noite, a fim de cercar os caminhões livres (sem contrato), pagando mais pelo metro cúbico do carvão para compensação de carreto, o que, naturalmente, encarecia a produção, que perdia preço nas concorrências, tendo sido esta uma das razões preponderantes para a definitiva desativação do alto-forno.
Antes disso, porém, tendo sido demitido o técnico siderúrgico depois de mais um tempo de atividade do alto-forno, até a sua possível substituição, acumulando a função de chefe de escritório e de encarregado da produção de gusa, num intervalo de trinta dias, Higesipo teve a oportunidade de apresentar a maior produção de toda a vida do alto-forno, isto já no final da campanha – nome dado ao tempo de vida do seu revestimento refratário – antes da demissão do último operário, uma vez não ter sido satisfatória a tentativa de manter a empresa funcionando. Paralisado em definitivo o alto-forno, este relator dedicou-se à venda dos resíduos contratuais de carvão a outras empresas, cumprindo, assim, todas a obrigações relacionadas à produção, incluindo os saldos de gusa e sucatas existentes em estoque que foram vendidos.
Da esquerda p/ direita: Higesipo Brito, José Guedes,
Valter (Cocho D’água), José Ramos, Américo Giannetti Filho,
Milton Gonçalves, Murilo Giannetti, Jovino Paulino e Eng. Pedro.
Setor de Produção da Samsa – [Década de 1960]
Assim, a partir de 1958, remanescente que se tornou do quadro de pessoal da S/A Metalúrgica Santo Antônio, além de cuidar da manutenção do patrimônio industrial e hidrelétrico (Usina do Mingú) da empresa, Higesipo recebeu a incumbência de zelar pelo seu extenso patrimônio imobiliário, constituído de vastas fazendas e propriedades urbanas de uso público e privado, passando a atuar como uma espécie de gerente patrimonial da empresa.
HIGESIPO BRITO
Rio Acima, SET 1995.
A narrativa do autor prossegue em próxima postagem.
Referência:
BRITO, Higesipo Augusto de. As memórias de um menino, de um rapaz, de um homem [Rio Acima, set. 1995.17 f. Mimeografado]. Chá.com Letras, ago./set./out., 2013. Disponível em: <www.chacomletras.com.br>.
Revisão, pesquisa de imagens e edição:
Leila Brito
Ilustração:
Foto 1 – Higesipo em sua moto Harley-Davidson – Autor desconhecido – Data [1947]. Acervo da Família Maria e Higesipo Brito.
Foto 2 – Higesipo com a filha Leila e a pastora-alemã Diana, tendo ao fundo Stela e Humberto – Foto de Lourival – jul. 1949. Acervo da Família Maria e Higesipo Brito.
Foto 3 – Ata da Fundação do Município de Rio Acima – Escrita por Higesipo Augusto de Brito em
1 de jan. 1949 – Autor desconhecido – Retirada do livro de NAHAS JÚNIOR, Antônio. Rio Acima: Fragmentos da história de Minas. Belo Horizonte: Comunicação de Fato, 2010.
Foto 4 – O médico da Casa de Saúde Pedro Giannetti e prefeito Dr. Osvaldo Curry Carneiro, discursando na Praça da Matriz – Início dos Anos 1950 – Autor desconhecido – Retirada do livro de NAHAS JÚNIOR, Antônio. Rio Acima: Fragmentos da história de Minas. Belo Horizonte: Comunicação de Fato, 2010.
Foto 5 – Higesipo com os filhos Britinho, Stela, Humberto e Leila – Carnaval de 1952 – Autor desconhecido – Acervo da Família Maria e Higesipo Brito.
Foto 6 – Vista da cidade de Rio Acima – Anos 1940 – Autor desconhecido – Retirada do livro de NAHAS JÚNIOR, Antônio. Rio Acima: Fragmentos da história de Minas. Belo Horizonte: Comunicação de Fato, 2010.
Foto 7 – Lira Musical Santo Antônio – Início dos Anos 1950 – Autor desconhecido – Retirada do livro de NAHAS JÚNIOR, Antônio. Rio Acima: Fragmentos da história de Minas. Belo Horizonte: Comunicação de Fato, 2010.
Foto 8 – Procissão realizada na S/A Metalúrgica Santo Antônio, com bênção pelo Padre Osvaldo Carlos Pereira, em 1952 – Autor desconhecido – Acervo da Família Maria e Higesipo Brito.
Foto 9 – Vista de Rio Acima tendo em primeiro plano os galpões da SAMSA e à esquerda a ponte
sobre o Rio da Velhas – Início dos Anos 1950 – Autor desconhecido – Retirada do livro de NAHAS JÚNIOR, Antônio. Rio Acima: Fragmentos da história de Minas. Belo Horizonte: Comunicação de Fato, 2010.
Foto 10 – Da esquerda para a direita: Higesipo Brito, José Guedes, Valter (Cocho D’água, Zezinho, Américo Renné Giannetti Filho, Milton Gonçalves dos Santos, Murilo Giannetti, Jovino Paulino e outro, no setor de produção da Samsa. [1960]. Autor desconhecido. Acervo da Família Maria e Higesipo Brito.
Últimos Comentários