Immanuel Kant [I]
Kant: o ser humano entre natureza e liberdade
VALERIO ROHDEN [1]
Teria sentido estudar Kant?
Quase todo mundo pode ir hoje a Königsberg – a cidade onde Immanuel Kant (1724-1804) nasceu – em aviões brasileiros da Embraer, que voam de Berlim a Varsóvia e de lá à cidade de Kant. Também pode ir de trem, a partir de Berlim, se optar por uma mais sofrida aventura. Diz-se que Kant nunca saiu de sua cidade e que, aliás, a maior distância que percorreu durante toda a vida limitou-se a um breve passeio de barco pelas margens do Mar Báltico, a 20km de sua cidade. A província constitui um enclave isolado entre a Polônia e a Lituânia, às margens do Báltico.
Após ser ocupada pelas tropas soviéticas durante a II Guerra Mundial e de ver destruída praticamente toda a sua vasta e antiga área central pelos bombardeios ingleses de agosto de 1944, a cidade caiu sob domínio da Rússia, com o novo nome de Kaliningrad. Seguiu-se o afastamento forçado dos alemães da província: para não sobrar vestígio deles, Brejnev mandou bombardear o Palácio Imperial que ainda se erguia aos fundos da casa de Kant. É, não obstante, provável que o nome atual da cidade seja brevemente substituído pela sua denominação original: a atual população russa nutre crescente simpatia pela figura lendária de Kant. Antes de a cidade ser pela primeira vez bombardeada, as tropas soviéticas esvaziaram as bibliotecas, transportando seus pertences para lugares desconhecidos. Em vista disso, muitos livros e manuscritos de autoria, propriedade e uso pessoal de Kant encontram-se até hoje desaparecidos, investindo-se por isso intensas buscas em sua localização.
Um professor russo, da aí localizada e agora chamada Universidade Immanuel Kant, declarou-me que considera exótico que Kant seja estudado no Brasil. No entanto, a Sociedade Kant Brasileira é uma das maiores sociedades kantianas do mundo, e em setembro de 2005 promoveu na Universidade de São Paulo, por delegação da Sociedade Kant da Alemanha (Kant-Gesellschaft), o X Congresso Kant Internacional (10th International Kant Congress), que pela primeira vez foi realizado fora do circuito Alemanha/Estados Unidos. Até uma Moto Tour desde Vilna, capital da Lituânia, até São Paulo foi organizada e efetuada em homenagem a Kant, por motivo do Congresso Kant no Brasil, passando antes pelo túmulo de Kant junto à Catedral de Königsberg e, uma vez na América, descendo por terra desde o México até o Brasil, numa extensão aproximada de dez mil quilômetros rodados neste último trecho. Isso faz supor que o estudo do pensamento de Kant, no Brasil, não seja nada exótico, mas que Kant tenha, antes, uma mensagem a transmitir a toda a humanidade, à Filosofia, à ciência, ao direito, à politica, ao nosso tempo e aos séculos vindouros, como a tiveram e continuam tendo privilegiadamente Platão e os Gregos.
A propósito, o filósofo norte-americano Richard Rorty escreveu recentemente que o estudo da Filosofia tem de se fazer hoje a partir de Platão e Kant. Então, limitando a sua existência à sua própria cidade natal, Kant foi pelas suas contribuições teóricas e pelo seu espírito um filósofo cosmopolita, no sentido estrito do termo. Ele viveu o século XVIII, época do Iluminismo, chamada em alemão de Aufklãrung (Esclarecimento). Essa foi uma época racionalista, de crença no triunfo da ciência e de crença em um ainda mais ilusório futuro feliz da humanidade, presumidamente proveniente do progresso da ciência. Só que a ciência nunca bastou para tornar os homens melhores. Ela é em mais de duas terças partes posta a serviço da guerra. Kant – que propôs como lema do Esclarecimento: Ousa pensar! (ou: ousa servir-te autonomamente de teu próprio entendimento, sem necessidade do auxílio de outrem!), e que viu como causas da falta de pensar próprio a covardia e a preguiça – foi um crítico de seu tempo. À pergunta, se vivemos numa época esclarecida, ele respondeu: “Não! Mas vivemos numa época em vias de esclarecimento”.
O seu senso realista e crítico proveio teoricamente do fato de ele ter procurado superar as parcialidades e reunificar as virtualidades comuns das filosofias racionalista e empirista – dizendo que o conhecimento se constitui a partir da experiência, entendida como uma conexão de percepções produzida pelo entendimento, cuja objetividade, necessidade e validade assentam em categorias aprióricas, isto é, racionais; e que, portanto, a razão humana é ativa, gerando conceitos; tendo de outro lado, a sensibilidade e seus dados que, mediante conceitos e juízos, são por sua vez transformados em objetos. Kant expôs e justificou essa concepção dos fundamentos do conhecimento em sua Crítica da razão pura (1781 2 ed. 1787).
Na sua segunda Crítica, a Crítica da razão prática (1788), ele estabeleceu uma filosofia moral formal fundada em princípios, identificados com o conceito de autonomia como forma universal da vontade e como razão prática; e excluiu dela os princípios heterônomos ou materiais, identificados com a doutrina da felicidade, porque esta é buscada naturalmente, varia de pessoa a pessoa, e é incapaz de universalização estrita. Além disso, fundou a existência da liberdade, como fundamento da lei moral, num chamado “factum da razão”, como consciência de que se devo fazer algo, também efetivamente o posso, ou seja, sei praticamente que sou livre e responsável por meus atos. Isto Kant estabeleceu ao reapresentar a fórmula do imperativo categórico, segundo a qual eu devo reflexivamente examinar o que aconteceria se cada um tomasse como universalmente válida a sua máxima (o seu princípio pessoal de ação). Tal imperativo poderia expressar-se de forma acessível do seguinte modo: age de modo tal que não faças aos outros aquilo que não queres que eles façam a ti. Com base nisso, conclui-se que o dever é a simples tradução de uma forma racional de querer.
Referência:
ROHDEN, Valerio. Kant: o ser humano entre natureza e liberdade. In: CARVALHO, Isabel Cristina de Moura; GRÜN, Mauro; TRAJBER, Rachel (Orgs.). Pensar o ambiente: bases filosóficas para a educação ambiental. Brasília: ME/UNESCO, 2006. p. 107-112. Disponível em: http://pt.scribd.com/doc/81450181/8/Valerio-Rohden
Ilustração:
Estátua de Immanuel Kant em Kaliningrado, antiga Königsberg, cidade natal do filósofo. Disponível no blog: “Grupo Kant UFPE – http://grupokant.wordpress.com/
[1] Filósofo, pós-doutor em Filosofia, professor da Universidade Luterana do Brasil.
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Olá, Leila!
Bom q vc coloca a gente soletrando o passado no hj.
Bjus.
Stela
Vc me postou um grande presente no dia do meu aniversário!
bjin
Stela
Querida Stela,
PARABÉNS!!! Que o seu Dia da Vida esteja luminoso, e que a paz transborde do seu ser, em forma de uma longa vida e fértil felicidade.
beijos,
Leila