Crônica de Viagem (V)
Ao fundo à esquerda, Sylvester Stallone adentra o salão
No tête-à-tête parisiense – encontrando Rambo no Musée du Louvre
LEILA BRITO
O imperioso apelo de conter, nos limites da Place Charles de Gaulle, a euforia que ameaça esvoaçar meus sentidos tão logo desembarco na Avenue de la Grande Armée e me extasio com a imponência do Arc de Triomphe, prenuncia o tom da minha breve estada em Paris, que me acolhe familiarmente com um letreiro do Banco do Brasil identificando sua agência na Rue de Tilsitt. Na esquina, o Cafe Le Cristal sacia meu paladar e minha fome, enquanto o mapa da cidade exposto no canteiro central da avenida atiça a minha curiosidade. O tempo frio, apesar do verão, apresenta-me uma Paris acinzentada por compactas nuvens que acentuam sua atmosfera nostálgica.
Intuitivamente, depois de visitar o exuberante monumento, adentrando-o pela passagem subterrânea de pedestres que me conduz a uma sofisticada galeria, opto por um passeio panorâmico num batobus da L’Open Tour, cujo trajeto turístico além de apresentar-me o centro histórico da cidade, leva-me à Tour Eiffel, de onde sigo para o Hotel Regina de Passy, na Rue de la Tour – n. 6, a um quarteirão da Place du Trocadéro, onde se ergue o Palais de Chaillot.
Ao instalar-me no hotel, decido prosseguir as visitas turísticas pela Cathédrale de Notre Dame, situada na Place du Parvis, na pequena Île de la Cité, cercada pelas águas do La Seine. Integrando-me rapidamente à paisagem, passo a tarde visitando a catedral, fotografando o local, curtindo o inusitado som que duas jovens cantoras americanas tiram de um violão e de um mini trompete, comprando souvenir na Notre Dame Cadeaux, jantando no Aux Tours de Notre Dame, até anoitecer e eu ser atraída pelo som do reggae que salta das margens do La Seine. Acomodando-me nas escadarias lotadas por um empolgado público turista, assisto a um animado show de uma banda de imigrantes sem prever o conturbado retorno ao hotel, porque depois de um tempo tentando um taxi na Place du Parvis, em frente à Prefecture de Police, sou levada a fazer um longo trajeto a pé, cruzando a Petit Pont e indo pela Saint Jacques até alcançar a Gay-Lussac onde, enfim, um atencioso motorista me conduz em segurança até o Regina de Passy, quando passa da meia noite. O cansaço, a falta de companhia e um inegável desinteresse impõem a renúncia ao Moulin Rouge.
Um luminoso jour suivant tira-me da cama mais cedo para uma caminhada do hotel até a Tour Eiffel, descendo pela Avenue des Nations Unies, de onde minha Canon logra uma bela tomada da torre, passando pela Place du Trocadéro, onde me encanto com um carrossel, e pela Pont D’Iéna, de onde fotografo o La Seine, seduzida pela voluptuosidade do fascínio de suas águas e da vida efervescendo em suas margens e flutuando em seus charmosos bateaux mouches. A colmeia de humanos que se forma embaixo da torre vira motivo de inspiração fotográfica, quando vejo uma noiva e seu séquito encaminhando-se para o local, deixando-me apenas alguns segundos para fotografar a cena, e em flagrante estado de frustação por não ter conseguido ver o seu rosto antes de ela ser engolida pelo enxame. Após um tempo perdido na compra de cartões postais, renuncio ao frenesi da levitação num dos minúsculos elevadores disputado pelos turistas e à estupenda visão da cidade de seu ponto mais alto, para atender ao mais ansiado programa da minha agenda: Musée du Louvre.
O prédio do Palais du Louvre que abriga o museu impressiona tanto por seu estilo medieval como por sua conformação arquitetônica. Acessando-o pela porta lateral dos fundos na Quai de Louvre, próxima ao ponto do batobus, adentro o “pequeno” Cour Carrée no Pavillon Sully, contíguo ao Cour Napoléon e suas pirâmides, onde um agitado vai-e-vem de turistas retrata a “invasão multicultural” citada pelo cronista Xisto Bueno, “com cada um falando uma língua, mas todos se entendendo na alegria de estar naquela cidade bege”, clima propício para os pedidos de clics fotográficos pelos turistas desacompanhados.
Inicio a visita pelo setor Histoire du Louvre – Louvre médiéval, e volto à ala Denon para orientar-me no acesso à Mona Lisa. Parando para admirar a decapitada Victoire de Samothrace no alto da escadaria, sigo para o cobiçado salão das Peintures Italiennes em busca da La Jaconde, mas o que me fascina, logo na entrada, é o seu teto dourado ornado por símbolos medievais e esculturas em mármore branco. Faço a tomada fotográfica, e em seguida me aproximo de uma grande tela do Da Vinci fixada no canto da parede lateral esquerda, e na sequência, andando de ré, afasto-me cuidadosamente com a intenção de conseguir focá-la por completo. Quando regulo a Canon e me preparo para o clic, ouço atrás de mim um vozerio se alastrando e crescendo em sonoridade, e ao olhar para trás assusto-me com a pequena multidão que, aglomerando-se às minhas costas com suas câmeras erguidas, grita histericamente: Stallone!!! Stallone!!! Stallone!!! Neste momento, vejo-me frente a frente com dois seguranças que passam a conter o exaltado grupo de fãs, enquanto o Rambo, ora de costas ora de perfil, a uns quatro metros de distância, admira o tal quadro do Da Vinci, acompanhado da esposa Jennifer Flavin, da filha Scarlet Rose e de funcionárias do museu. Passo a fotografá-lo com dificuldade, pois empurrada pelos meus iguais ávidos em conseguir a minha privilegiada visão do famoso astro do cinema, até a sua saída por uma porta à minha esquerda, quando, inesperadamente, ele se volta para o público e acena em despedida, e eu consigo um ansiado mas tremido close.
O tempo para recompor-me do inusitado frenesi – convenhamos que não é sempre que somos surpreendidos num vis-à-vis com um ator americano – é o consumido na visita às obras expostas no grande salão, por onde adentro o corredor que me levará à grande dama de Da Vinci, deparando-me com as famosas telas deste que, sem dúvida, foi o maior pintor italiano de todos os tempos: La Vierge à l’Enfant avec sainte Anne [1508-1513], Saint Jean Baptiste [1510-1515] e La Vierge aux rochers [1499]. Mais uns passos e, finalmente, estou diante da Gioconda ou La Jaconde, ou ainda, Mona Lisa del Giocondo [1503-1507], tentando controlar a emoção que ameaça comprometer minha performance fotográfica. O incontido pranto é fruto da lembrança do saudoso irmão Britinho que, apaixonado pela famosa personagem, vivia a cantarolar a “Mona Lisa, Mona Lisa, Mona Lisa…” do Nat King Cole.
Após encantar-me com os pintores italianos, é hora de conferir o talento dos pintores da casa bem representados por obras como a Les Sabines arretant le combat entre les Romains et les Sabins [1799] e Léonidan aux Thermoyles [1814] de Jacques-Louis David, e Mort de Sardanapale [1827] e Femmes d’Alger dans leur appartement [1834] de Delacroix, e por último, a famosa tela Joana D’Arc(1855) de Jean-Auguste-Dominique Ingres, que retrata uma das minhas idolatradas musas. Declamo mentalmente meus versos a ela dedicados, enquanto abstraio a força emanada da bela e impoluta combatente.
Seguindo as pegadas de outro desejo, chego ao setor Antiquités Grecques, onde acontece o ansiado encontro com outra inspiração poética: Vênus de Milo. Ei-la, a deusa do amor, que na sua versão grega é Afrodite, ou ainda, Psyché ranimée par le baiser de l’Amour para A. Canova, e que próxima a Mercure enlevant Psyché de Adrian de Vries, e ao Captif (l’Esclave mourant) [1513-1515] de Michelangelo Buonarroti, intensificam o enlevo do meu breve tour pelo maior museu do mundo.
Passa das dezenove horas, quando, ainda no Cour Napoléon, depois de almoçar na galeria do Le Café Marly observando uma pequena família islâmica, saio pelo Pavillon Sully e, após cruzar com uma simpática violoncelista nas galerias do Cour Carrée, encontro a Place du Louvre com sua bela igreja Saint-Germain-l’Auxerrois e seu sonoro carillon. De lá sigo para a Place du Trocadéro onde, após horas de relax sentada na grama perto da fonte junto a mais de mil turistas de todos os continentes, assisto ao gradual fulgurar das luzes da Tour Eiffel sob o aplauso da deslumbrada plateia. Ao caminhar de volta ao Hotel Regina de Passy pela Avenue des Nations Unies, uma repousante sensação de insustentável leveza do ser neutraliza a lembrança de encontrar-me a poucas horas do fim do sonho.
Referência:
BRITO, Leila. No tête-à-tête parisiense – encontrando Rambo no Musée du Louvre. Chá.com Letras, 23 mar. 2012. Disponível em: <www.chacomletras.com.br>. Acesso em: dia [23] mês [mar.] ano [2012].
Ilustrações:
Fotos de Leila Brito (arquivo particular) – 25/26 jul. 2008.
Citações poéticas:
BRITO, Leila. Vênus, Joana ou Leila? Launim. Belo Horizonte: LetraporLetra, 2012. No prelo.
Publicado no Chá.com Letras – ver arquivo “October 2009”.
Paris, cidade limpa, organizada para ser ‘imagem’ diante de nosso olhar, seus moradores permanecem em seus lares dando lugar aos turistas para se deliciarem de certo mistério… aonde as formas e as cores que envolvem o lugar devem ser organizadas como dizia Monet, de comida fina… levemente adocicada, nostálgica… tudo transformou-se em magia, belo, exuberante pela presença exótica da importante figura de Leila Brito: a filósofa, a poeta, a crítica, fazendo tremer até a figura de Stallone frente a simpatia da fotógrafa mineira de sorriso lindo, que irradia um brilho intenso..
Ufa! Você está com a corda toda, ou melhor, com a caneta toda…
Reflete seu encantamento, sem dúvida.
Parabéns por ter realizado um sonho com muita coragem, já que fora da estrutura de uma excursão de agência.
Adorei o vídeo.
Querida Regina…
Meu namorado espanhol me disse, quando retornei de Paris, que jamais conheceu pessoa de tamanha coragem para atravessar o Atlântico, chegar ao Mediterrâneo e se aventurar a prosseguir a viagem sozinha. Penso que foi o desejo de realizar o sonho que impulsionou ao risco. Porque, na verdade, arrisquei-me. Felizmente, consegui!
Bom tê-la por aqui sempre.
Abraço,
Leila
Marilda…
Se o Stallone soubesse quem estava à sua frente, certamente, tremeria nas bases… rs
beijo pra você,
Leila
Olá, Prima! Amei o vídeo Lé France! Achei um barato vc bem em frente o Starloooooonge: ele na esquerda e vc na direita. Karaca! Valeu. bjus