O polêmico e injustiçado Machiavelli
[…] Há uma maneira de desqualificar Maquiavel que é maquiavélica, e consiste no ardil piedoso daqueles que dirigem seus olhos e os nossos para o céu dos princípios para desviá-los daquilo que fazem. E há uma maneira de louvar Maquiavel que é todo o contrário do maquiavelismo, pois honra na sua obra uma contribuição à clareza política (MERLEAU-PONTY, 2002, p. 307).
Até Maquiavel, a Filosofia concebe o “político” como exercício do poder. Assim, com as obras De Principatibus e Discorsi, Maquiavel inaugura um novo modo de pensar o “político”, efetivando uma ruptura no pensamento que prevalece, ao estabelecer: a política não é um sistema filosófico, e sim, um sistema conceitual. Tal ruptura ocorre, porque Maquiavel busca oferecer respostas novas a uma situação histórica nova (ou seja, ao factual de sua época) que seus contemporâneos tentavam compreender lendo os autores antigos. Tais respostas surgem da sua negativa dos quatro pontos que resumem a tradição política:
(1) Maquiavel não admite um fundamento anterior e exterior à política (Deus, Natureza ou razão); (2) Maquiavel não aceita a idéia da boa comunidade política constituída para o bem comum e a justiça; (3) Maquiavel recusa a figura do bom governo encarnada no príncipe virtuoso, portador das virtudes cristãs, das virtudes morais e das virtudes principescas; (4) Maquiavel não aceita a divisão clássica dos três regimes políticos (monarquia, aristocracia, democracia) e suas formas corruptas ou ilegítimas (tirania, oligarquia, demagogia/anarquia), como não aceita que o regime legítimo seja o hereditário, e o ilegítimo, o usurpado por conquista. Qualquer regime político – tenha a forma que tiver e tenha a origem que tiver – poderá ser legítimo ou ilegítimo. O critério de avaliação, ou o valor que mede a legitimidade e a ilegitimidade é a liberdade (CHAUÍ, 2000, p. 201 e 203).
Em Maquiavel, ocorre, portanto, a conceitualização da política. Em De Principatibus tem-se um conceito empírico; em Discorsi, um conceito ideológico. O texto de Maquiavel é, pois, uma filosofia política, com base no contraponto entre virtù (virtude) e fortuna (sorte ou inesperado). No seu entendimento, se a cidade consegue combater a degradação, ela o faz pela virtù. Portanto, não importa a fortuna, e sim, a virtù, porque a fortuna está sempre presente, ao contrário da virtù, que, por ser essencial, não pode faltar. Neste sentido, Maquiavel neutraliza a fortuna como fator de mudança. Assim, tudo vai depender da virtù. O que se vê em Maquiavel é a afirmação da virtù.
Há um enaltecimento da política em sua obra, pois o filósofo reconhece uma dignidade na política. O tema recorrente em Discorsi é a glória, quando a virtù é reconhecida no espaço público. Assim, Maquiavel defende o princípio da virtù como fator imprescindível na política. Mas a despeito do valor à virtù, Maquiavel reconhece na astúciaa principal virtude política, pois fundamental à conquista, como expõe em De Principatibus.
Maquiavel é favorável a uma república democrática – ele é o primeiro a defender uma república popular, onde o número de cidadãos a ascender ao poder deve ser o maior possível. Como na sua época o que está em pauta é como se exerce o poder, não existe uma filosofia do direito em sua obra. Assim, ele faz uma proposta republicana popular inédita e bastante peculiar, sendo ferrenhamente combatido. Maquiavel reconhece a importância do povo, porque a ele cabe o papel de guardião da liberdade da república. Mas enfatiza que não se pode privilegiar o povo, inviabilizando a participação dos grandes, porque, sendo fortes, eles podem se voltar contra o governo. Maquiavel é exigente nesta questão: é preciso contemplar o desejo dos grandes.
Em Maquiavel, segundo Merleau-Ponty (2002, p. 303), o poder dito legítimo é aquele que consegue evitar o desprezo e o ódio (P, XVI). “Nem puro fato, nem direito absoluto, o poder não constrange nem persuade: ele manobra – e manobra-se melhor recorrendo à liberdade do que aterrorizando”. É como se o poder incidisse de maneira indireta, uma vez que “o melhor apoio ao poder nem mesmo resulta da ação do príncipe, e sim, daqueles que crêem ter direitos sobre ele ou pelo menos se sentem em segurança”.
Maquiavel não concebe a conquista do poder como algo estável, perene. Ele reconhece, no caso da república, que não há como essa conquista ser perene (raras exceções), exatamente, por causa da interferência constante do conflito inerente à luta pelo poder. E é nesta instabilidade, que se mostra nos momentos extremos da luta pelo poder, que se encontra o conhecimento do objeto “política”. Assim, a possibilidade da permanência no poder não dá condições de se conhecer a natureza da política. Maquiavel concebe a política como um embate, um conflito.
Os grandes têm desejo de dominar, o que vai contra o desejo do povo de não ser dominado; de não sofrer a opressão – este é o conflito estruturante de toda e qualquer “cidade”. Quem exerce o poder, tem de lidar com o conflito de querer dominar. Mas isto não quer dizer que a política seja dominação, embora, por outro lado, só se possa assegurar o domínio através do medo. O medo é uma paixão com a qual é preciso saber lidar no âmbito do poder. Sendo assim, nenhum homem público pode negligenciar as paixões, se quer ganhar a glória e consolidar um Estado.
Assim, a política em Maquiavel é mais que um mal necessário, embora não se possa separar a política do mal, no sentido da escolha (sempre para o mal menor). Exercer o poder implica, de algum modo, em fazer o mal. O mal é inevitável no exercício da política. Mas o espaço político é onde devemos buscar o menor mal, pois não há como buscar o bem.
Sim. O mal a ser feito tem de se pautar no sentido pleno da palavra maldade. Para Maquiavel, algo detestável nos homens é, exatamente, a sua impossibilidade de fazer o mal em seu sentido pleno e, pela mesma forma, de fazer plenamente o bem. Ele elogia os romanos, que ao conquistar o inimigo adotava um dos dois extremos: ou o massacrava ou o perdoava, concedendo-lhe todos os benefícios.
Sobre a questão moral, Maquiavel a relaciona à liberdade de escolha ou livre-arbítrio. Ele entende que, se os homens têm liberdade de escolha, podem, ao exercê-la, ampliar as possibilidades de sua natureza. Segundo Grazia (1993, p. 85), “visto que Niccolò admite a escolha e o livre arbítrio, e utiliza as palavras bem e mal, os atos designados por esses termos são, pelo menos em parte, humanamente desejados e sujeitos ao juízo moral”.
Porém, como o exercício do poder requer disposição para fazer o mal, a relação dos valores morais no espaço público é impossível, o que contraria os princípios do cristianismo, para o qual, segundo Arendt:
[…] a política deve ser organizada de tal modo que o homem e sua alma possam estar certos da salvação eterna. Este é o critério último. Platão e Aristóteles pensavam que a política devesse ser organizada de tal modo que a filosofia – o cuidado com as coisas eternas – fosse possível. […] Maquiavel menciona numa ocasião a necessidade dos homens de se defenderem e que esse é provavelmente o primeiro motivo para os homens juntarem-se em corpos políticos. Mas isso não lhe interessa. A política não tem fim em si mesma, ela não é um meio. Mas tudo na política regula-se por esta máxima: o fim justifica os meios (ARENDT, 2002, p. 320).
É exatamente em vista das duras críticas que Maquiavel faz ao cristianismo e à Igreja Católica e sua sacralização do poder, que ele sofre uma severa retaliação de cunho moral:
Para o Ocidente cristão do século XVI, O Príncipe maquiaveliano, não sendo o bom governo sob Deus e a razão, só poderia ser diabólico. À sacralização do poder, feita pela teologia política, só poderia opor-se a demonização. É essa imagem satânica da política como ação social puramente humana que os termos maquiavélico e maquiavelismo designam (CHAUÍ, 2000, p. 204).
Por ter inaugurado a teoria moderna da lógica do poder como independente da religião, da ética e da ordem natural, Maquiavel só poderia ter sido visto como maquiavélico. Assim, os vocábulos: maquiavélico e maquiavelismo, criados no século XVI, e utilizados até hoje, exprimem o medo absurdo que se tem da política, quando esta é simplesmente “política”, isto é, sem as máscaras da religião, da moral, da razão e da Natureza (CHAUÍ, 2000, p. 204).
LEILA BRITO
Belo Horizonte, NOV 2006.
REFERÊNCIAS
ARENDT, Hannah. Notas sobre a política e o estado em Maquiavel. Lua Nova, n. 55-56, p. 298-302, 2002.Disponível no site: http://www.scielo.br/pdf/ln/n55-56/a15n5556.pdf . Acesso em: 27 nov. 2006.
CHAUÍ, Marilena. Filosofia. São Paulo: Editora Ática, 2000.
GRAZIA, Sebastian de. Maquiavel no inferno. Tradução de Denise Bottan. São Paulo: Cia das Letras, 1993.
MACHIAVELLI, Nicolló. O príncipe. São Paulo: Hemus, 1965.
MERLEAU-PONTY, Maurice. Notas sobre Maquiavel. Lua Nova, n. 55-56, p. 303-307, 2002.Disponível no site: <http://www.scielo.br/pdf/ln/n55-56/a15n5556.pdf>. Acesso em: 27 nov. 2006.
Ilustração:
Niccollò Machiavelli – de William Mortensen
From Monsters & Madonnas, Camera Craft Publishing Co., San Francisco, 1935, and The Model (same publisher, p.155). George Dunham, model.
Referência deste ensaio:
BRITO, Leila. O polêmico e injustiçado Machiavelli. Chá.com Letras, Belo Horizomte, nov. 2006. Disponível em: <www.chacomletras.com.br> . Acesso em: dia, mês, ano. (ex.: 14 dez. 2009)
Li como sempre com muita atenção.
Já conhecia Maquiavel.
Para mim, ele representa, a sombra do poder.
Aquele, “CONSELHEIRO”, do governante.
Quanto a ser maquiavélico, em sentido ruim, existe sim, agora muito menos…
Para mim é o q faz ou ajuda fazer o esquema do poder. Ai depende de quem é representado por ele … é bom ou não !!!! eta vc continua fazendo eu escrever o q acho q sei, Maquiavel, é velho conhecido, como sempre apresentado pelo meu filho.
O que sei fazer, e gosto, embora não seja uma grande arte, digamos a pessoa que rouba um pedaço do que os outros fazem, essa a minha linguagem …. mesmo assim tenho prazer em vir tomar NOSSO CHÁ… eu posso te oferecer um
café, ou um copo de água.
Apareça….
Beijos
Quem sou eu para comentar a profundidade do artigo…não sou especialista em teoria política, muito menos no autor em tela.
Mas…
fiquei curioso com este parágrafo aqui:
Maquiavel é favorável a uma república democrática – ele é o primeiro a defender a democracia: uma república popular, onde o número de cidadãos a ascender ao poder deve ser o maior possível. Como na sua época o que está em pauta é como se exerce o poder, não existe uma filosofia do direito em sua obra. Assim, ele faz uma proposta republicana popular inédita e bastante peculiar, sendo ferrenhamente combatido. Para Maquiavel, o povo é incapaz de governar; o governo tem de ficar nas mãos de quem é culto e preparado para governar.
Não há uma contradição aí? Como a república pode ser democrática se “o povo é incapaz de governar”? e “o governo tem de ficar nas mãos de quem é culto e preparado para governar”.?
Essa colocação me parece mais uma defesa da oligarquia (afinal, quem são os cultos?) do que da Democracia…
Pode esclarecer melhor essa contradição?
Grato!
Ricardo
Ricardo…
Para entender essa classificação de regimes políticos em Maquiavel, você precisaria ler e estudar o Discorsi, onde o filósofo comenta criticamente as obras do historiador Tito Lívio. O conteúdo deste livro vai muito além da própria experiência de Maquiavel, e versa sobre a experiência de uma forma de governo que possibilita o governante governar com o apoio do povo. Essa é a grande obra de Maquiavel (e não O Príncipe, praticamente uma sátira, que por ser escrito em forma de manual, foi mais facilmente assimilado).
O Príncipe é escrito em forma de manual, como inúmeros outros que existiam para orientar os príncipes, porque era um gênero textual muito usado na época, e nele (De Principatibus), Maquiavel simplesmente reproduz o modus operandi político já aplicado em outras épocas e na sua época, e que continua sendo usado até HOJE (não foi Maquiavel quem o criou). Maquiavel, como FILÓSOFO que era, simplesmente, defendeu uma tese em cima do modus operandi político da sua própria época. É isso que falta aos leigos entender.
Achei estranha a sua dúvida, por Maquiavel afirmar que o povo não tem condições de governar e, ao mesmo tempo, defender a democracia – como se ele tivesse sido incoerente. Nada disso. Ele diz as coisas como ela são, já que na democracia, não é o povo que governa, e sim, um governante escolhido por ele. O que Maquiavel quis dizer foi isto – o povo ESCOLHE alguém, preparado politicamente e de todas as formas, para governá-lo, porque ele, o povo, nào tem condiçòes de fazê-lo. Sendo assim, não governa, e sim, é GOVERNADO. Nada a ver com oligarquia. Acho que você se confundiu. Por outro lado, no caso da oligarquia no âmbito da democracia, ela só se mantém no poder, porque o povo assim determina nas urnas, ou então, abusa do próprio poder e se mantém governante na marra – ex. Família Sarney (Roseana, ao roubar descaradamente, com apoio do STE, o cargo de governador do grande democrata Jackson Lago, eleito pelo povo).
Abraço e grata pela participação.
Leila
Querida Solange,
O que os leigos têm de entender é que, antes de ser um assessor político, Maquiavel era um FILÓSOFO, e por execelência. Ele não escreveu obras como assessor político, e sim, como FILÓSOFO. As obras dele são, pois, FILOSÓFICAS, ou seja, são teses que ele defende sobre política em Filosofia.
Isso o ISENTA de qualquer acusação de ter criado um modus operandi político, uma vez que esse modus operandi já existia e era usado, quando ele escreveu suas duas principais obras: Discorsi (a mais importante e que os leigos desconhecem) e O Príncipe, que caiu no gosto da leitura popular, mas que, pasme, mesmo sendo escrito em linguagem mais acessível, É MAL INTERPRETADO pelos leigos, pois para se interpretar corretamente uma obra filosófica é preciso contextualizada e avaliá-la dentro do seu próprio contexto FILOSÓFICO.
Por isso, Maquiavel não ensinou nenhum político a ser mau ou a fazer maldade. A maldade humana existe e é aplicada pelo homem desde que o mundo é mundo, especialmente na política – ex. o caso de Cristo, que existiu muito antes de Maquiavel, e sofreu as agruras da injustiça e da maldade dos homens. E por quem? Pelos políticos da época. Foram eles que o crucificaram, porque ele passou a representar uma ameaça ao poder do governante.
Daí, a falta de fundamento da acusação de que Maquiavel criou um modus operandi em política. Ele apenas defendeu teses neste âmbito filosófico, tendo sido um dos mais inteligentes filósofos de todos os tempos. O conhecimento filosófico é o instrumento que permite desfazer essa injustiça, como mostrei em meu artigo, citando Marilena Chauí.
Grata pela participação, sempre bem-vinda e sempre importante.
Abraços…
Leila
Professora Leila Brito,
O mundo, como visto é governado por uma autocracia oculta, através de um sistema gerencial de altíssima lealdade.
É lobo em pele de cordeiro. O homem do povo, tratado como massa de manobra, joão-teimoso da mentira, da propaganda, das jogadas e armações políticas,contínua, ingenuamente, a dar legitimidade ao sistema pelo voto, que imagina exercer de forma livre e democrática. A toda e qualquer tentativa de reação, os leões de chácara do poder reagem, com a truculência e a arrogância dos que só parecem possuir certezas. Afinal, ganham para isso. Desse combate desigual, sem ética ou compaixão, surgem os ataques da moda, quando os que procuram iluminar caminhos são tratados como
“obscurantistas “, “conservadores”, “atrasados”, “medievais”, “dinossauros”, “terroristas”, “retrógados”,”reacionários”,”vanguardeiros do atraso”,”arautos do caos”, “catastrofistas”, “viúva da ditadura”, ou, simplesmente “paranóicos”, imaginando inutilmente remetê-los ao limbo entre a burrice e a loucura.
Allen,Gary,pesquisador e escritor.
abraços, Marilda Oliveira
Leila, como já disse antes, tenho dificuldade em me expressar.
Existem várias maneiras do povo associar um nome,
as ações cometidas.
Escrevi, não como filósofa, (rindo, imagine), mas sim como uma mulher “do povo”.
Quando se diz q uma pessoa é maquiavélica, isso não quer dizer, se a pessoa é boa ou má.
Tentando, me fazer compreender, leia como uma pessoa, que sabe alguma coisa pela longa existência… não aprendi em Universidade, aprendi no dia a dia… Então o q quero dizer é que o povo, mesmo o mais esclarecido tem Maquiável como um grande estrategista…. que pode ser boa ou ruim, para quem toma conhecimento.
Entenda, eu sou uma dona de casa, embora convivendo politicamente desde a ditadura, com a esquerda, (agora nem tanto), sei quase nada.
Essa é a minha leitura … Conheço a Marilena, como atuante do PT … se não me engano secretária do gov. Erundina, da Marta, e nada além do que falei me passaram …. Querida amiga, eu venho até aqui para ler vc … Mas entenda os meus comentários não são INTELECTUAIS, e sim o POVO que infelizmente ainda sabe menos do que eu.
Beijos, mas leia meus comentários como uma dona de casa, que sabe o q viveu.
Vc anda me provocando (no bom sentido) e eu vou aceitando, e com isso aprendendo + um tanto.
Outros beijos
É, como eu falei no comentário, eu so li de Maquiavel O Principe e A Mandrágora.
Mas insisto ainda em que é estranho isso. Afinal, na época de Maquiavel não existia escolha de governantes pelo povo. Muito menos de representantes, porque isso começou com a Revolução Americana e com a Francesa, o que foi 300 anos depois de Maquiavel.
A classificação que ele utiliza das 3 formas de governo, na verdade é de Aristóteles, não? Ele apenas reproduziu. E Democracia, na Atenas clássica era o povo governando sim, desde que eles entendiam que povo era sinônimo de cidadão. E cidadão eram todos os homens, exceto os estrangeiros e escravos.
Maquiavel não podia falar de escolha de representantes na época dele.
Com a possivel exceção da Inglaterra, onde havia um Parlamento, nenhuma outra região da Europa possuia algo que se pudesse dizer eleição de representantes do povo.
Entendeu a minha estranheza?
Ricardo,
Repito: a grande obra deste filósofo é seu Discorsi. Somente estudando-a, você entenderá a sua filosofia. Nela, ele faz uma proposta republicana popular inédita e bastante peculiar. Ou seja, sui generis. Sugiro que leia o Discorsi.
Inclusive, segundo meu professor Helton Adverse, a História tem uma função epistêmica em Maquiavel. Os historiadores eram seus autores preferidos.
A teoria adotada por Maquiavel no Discorsi é a teoria de Platão (na sua República), porém, via Políbio, formulada no seu livro História – Livro 5: a teoria dos ciclos ou “Anakyklosis”, que significa “circulação”, ou seja, mudança de um regime para outro. Maquiavel sempre sugere o regime político misto, porque ele permite retardar a degradação da república. Portanto, inegavelmente, ele sugere um modelo de República.
Ichi!!! isso dá pano pra manga… E que manga grande! rsrs
Abração,
Leila
PS: Que saudade de debater com você… Veja eu citando seu nome num comentário meu do post “Filosofando sobre o Direito à Vida”, ensaio que eu criei naquela época de seus inesquecíveis debates… Neste caso, sobre a Eutanásia, lembra?
Cara Solange,
Vejo-a como uma pessoa inteligente e culta. Por isso, provocá-la é algo que me agrada, por ser sempre compensador.
Você se refere ao fato de Maquiavel ser visto, popularmente, como uma grande estrategista. E é exatamente aí que reside o grande problema, neste caso, do povo, que, ao contrário, deveria vê-lo como um grande FILÓSOFO, pois foi isto que ele foi em vida.
Creio que você agora entendeu, e que chegamos a um acordo. É a esta deturpação de visão conceitual assimilada pelo povo (pessoas leigas em Filosofia), CUNHADA PELA IGREJA, porque Maquiavel a enfrentou em suas teses, que Marilena Chauí se refere. Ou seja, a Igreja, para “vingar-se” de Maquiavel (na verdade para desacreditá-lo perante a opinião pública daquela época e por todo sempre), o correlacionou ao MAL. Daí surgiram os vocábulos “maquavélico” e “maquiavelismo”. Foi isto que deturpou o conceito da pessoa Maquiavel que, ao contrário de ser aplaudido como o grande filósofo que foi/é (e não um estrategista, jamais!), passou a ser “apedrejado” como um símbolo do mal; a ser visto como um “terrorista” – orientador de estratégias de terrorismo de guerra. Algo absolutamente inaceitável, pois seus “escritos” são puramente filosóficos, e a Igreja sempre soube disto. Daí que, a terrorista é a Igreja Católica.
Isto mostra como o PODER dos mais fortes, neste caso a “Santa” Igreja, subverte o valor dos mais fracos, por uma propsital e maldosa inversão dos fatos.
Um bom exemplo atual disso, é a inversão que se pretende dar, pelos PODEROSOS sionistas israelenses, de que os integrantes do Hamas – grupo de RESISTÊNCIA (contra a invasão de suas terras e aprisionamento do seu povo no Gueto de Gaza) da Palestina (onde não existe exército) – são terroristas, ou seja, os maus dos quais o Governo de Israel (este sim TERRORISTA) se defende.
Esta é a essência da política na sábia visão filosófica do grande Maquiavel – ela se apóia no MAL.
Abraços…
Caro Ricardo…
Considerando sua abordagem questionadora da questão da democracia em Maquiavel, fiz uma pequena alteração no texto. Pesquisando em profundidade, descobri que o conceito de que o povo é incapaz de governar é de Tio Lívio, e foi naturalmente considerado por Maquiavel na sua teoria da República descrita no Discorsi.
Abraços…
Oi Leila,
Excelente o estudo. Gostaria muito de poder realizar teu pedido e fazer um contraponto entre o pensamento clássico de Maquiavel com algumas “coisas” estapafúrdias que acometem a nossa república. Isso não vai ser possível, exige um pouco de dedicação e tempo livre, esse desgraçado, que sempre se ausenta. Não é fugir do desafio, é a dura realidade que se impõe inexorávelmente. Destarte, fica para uma próxima ocasião. E tendo o nosso Príncipe como guia, saúdo efusivamente este “chácomletrasmaiúsculas” desejando a você um excelente final de ano, na certeza de que haveremos de construir juntos, e com o legado de Maquiavel, o futuro promissor que todos almejamos. Que continue a brilhar esta estrela. Bom ano prá ti e aos teus.
Leila Brito,
Com isso as doutrinas estão virando letra morta e sepultando, com elas, a capacidade e o adestramento para se pensar amplo holisticamente. A doutrina da igreja Católica, por haver perdido muito do seu vigor operacional, face às sucessivas baixas sofridas no contigente de fiéis, resultando no seu fracionamento em múltiplas facções e seitas de resultado.
Nessas novas “igrejas”, surgida sob o dogma da liberdade religiosa, em que até iletrados podem ser, em algumas delas, pastores, o que menos importa são os fundamentos axiológicos, a essencialidade da boa doutrina, a perspectiva de se alcançar amplos horizontes teológicos ou filosóficos.
Essas competências, como em qualquer outro mercado meramente terreno, foram substituídas por ações de resultados exclusivamente práticos, dirigidos, como o combate sem quartel a todos os demônios ou a recuperação da saúde e do emprego, atividades financiadas por convincente e eficaz sistema de coleta dos dízimos.
Marilda,
Endossando seu comentário, como sempre, a religião atua, de fato, como elemento obstrutivo do senso crítico, impedindo que o homem veja as coisas como elas são, funcionando mesmo, no plano intelectual, como ópio (salve Marx!), já que nubla a visão clara de coisas e fatos.
Grata pela participação.
Leila, confesso que nunca li sobre Maquiavel. Mas a questão Deus, naturesa ou amor, até onde sabemos, Deus é abstrato. A natureza é a realidade intransferivel, “ou” razão que deve ser aplicada apenas na busca das respostas para tantas perguntas e dúvidas que temos. Porém, quando se desvia da normalidade imprevisível da natureza, como o surgimento da primeira religião, cria-se a primeira puta e a moral. E aí aparece a idéia de um organismo humano parasitário de outros humanos. Este, para não correr os riscos da caçadas da pesca e de outras atividades comunitarias, convense a comunidade oferecendo o abstrato, Deus. E assim, criando um ciclo vicioso, ao invés da comunidade se preparar para os iprevistos da natureza, tempestades, vulcões, enchentes etc., perde tempo e vidas rezando, edificando templos inúteis e esperando milagres. E depois das tragédias ofereciam a matéria-prima de todas as religiões: angústias, ignorância, miséria. E foi assim que botaram fogo na biblioteca de Alexandria, e dizimaram todas as culturas que puderam. O auge das parasitas-sapiens é quando se dá o monopólio do conhecimento: Univercidades ensinavam que a terra era o centro do univerço, e torturavam até a morte quem falasse o contrario. Um erro é chamar parasitas de autoridade, e de poder, pois parasitas com poder são sempre perigosos. Partindo da ótica de que respeito se merece não se exige, deve-se estabelecer hirarquias administrativas sem imunidade de justiça. Agora a farra continua com os RRRR, reza roubando,rouba rezando. Um abraço forte e sucesso
Leila,
Belíssimo ensaio sobre os postulados de Machiavelli.
Incrível como após quase quinhentos anos de sua morte, suas assertivas continuam presentes não apenas no Imaginário coletivo, mas assustadoramente no Real dado por diversas formas institucionalizadas.
Digo isso pois defronto-me constantemente por questões assertadas pelo pensador Florentino, como ao final de sua obra “O Príncipe”:
“…porque eu me estou consumindo e não posso ficar assim por mais tempo sem me tornar desprezível por pobreza.
Ainda desejaria muito que estes senhores começassem a se lembrar de mim se tivessem que começar a fazer-me voltear uma pedra; porque, se depois não ganhasse o seu favor, eu mesmo me lamentaria, pois que aundo lido o livro, ver-se-ia que durante os 15 anos em que estive em estudo da arte do Estado, não dormi, nem brinquei; e deveria a cada um ser caro servir-se daquele que à custa de outros fosse cheio de experiência.
E da minha fé não se deveria duvidar, porque tenho observado a fé, não vou agora rompê-la; e quem foi fiel e bom 43 anos, que eu tenho, não deve poder mudar sua natureza; e da minha fé e bondade é testemunho a minha pobreza.
Desejaria, portanto, que ainda me escrevêsseis aquilo que sobre esta matéria vos pareça, e a vós me recomendo.”
Sis Felix
Nicolau Machiavelli
Die 10 Decembris 1513.
Caro Tato,
Grata por este precioso comentário. Sabe que essas palavras de Maquiavel me comovem? Isto porque, por um lado, transmitem a grandeza de seu caráter e, por outro, confirmam o teor altruísta da doação pessoal que somente os filósofos, os escritores e os poetas, enfim, os doadores das Letras, são capazes de oferecer à Humanidade.
Como bem disse, ao completar 81 anos, a escritora Rachel de Queiroz: “escrever é um ato de dor”.
Abraço,
Leila
Uma injustiça se comete com Maquiavel: ele é visto como se fosse o criador da maldade na política. A diferença entre ele e outros é que os outros escreveram sobre a política como achavam que deveriam ser, idealizada, mas Maquiavel escreveu sobre a política como ela era (e é até hoje).