Lukács – O Assalto à Razão (excerto)
O Assalto à Razão
A Trajetória do Irracionalismo de Schelling a Hitler
GYORG LUKÁCS
Com os ideólogos progressistas do período de preparação da revolução democrático-burguesa, os pensadores da Ilustração tinham necessariamente que idealizar a sociedade burguesa e, primeiramente, a função social do egoísmo. Sem conhecer em sua maior parte a economia política clássica inglesa, e até, muitas vezes, antes mesmo de que esta surgira, expressam em sua ética a fundamental tese econômica de Adam Smith segundo a qual a conduta economicamente egoísta do indivíduo é o principal veículo para o desenvolvimento das forças produtivas e conduz necessariamente, em última instância, à harmonia dos interesses globais da sociedade.
(…) É claro, no entanto, que, ao despedaçar a teoria smithiana da harmonia contra os feitos do próprio capitalismo, só podia manter-se em pé, na economia, sob a forma de economia vulgar (a partir de Say), e na ética e na sociologia somente sob a forma de apologia direta do capitalismo (desde Bentham). A falta de sagacidade e o ecletismo dos positivistas se manifestam também, entre outras coisas, em que estes pensadores são incapazes de adotar uma posição clara e unívoca frente ao problema do egoísmo. Sua posição é a de uma miscelânea que tudo o borra e confunde.
Agora bem, quando Nietzsche, como representante da apologética indireta, aborda de novo o problema da afirmação do egoísmo – tendência que, como veremos, desempenha já importante papel em sua juventude, na atualização mitificadora do “agon”, da “Éris boa” –, não se trata já, nele, de idealizar a nascente sociedade burguesa, todavia progressista e até revolucionária, mas, pelo contrário, de idealizar aquelas tendências egoístas da burguesia já em seu declínio que se desdobravam no período do imperialismo: quer dizer, do egoísmo de uma classe condenada pela história a perecer e que, em sua luta desesperada contra seu coveiro, contra o proletariado, mobilizava todos os instintos bárbaros soterrados no homem e ascendia neles sua “ética”.
Referência:
LUKÁCS, G. El asalto a la razón: la trayectoria del irracionalismo desde Schelling hasta Hitler. México/Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 1959, p. 280-281.
Ilustração:
Irracionalismo Moderno – Decadência Filosófica. Disponível em: https://www.facebook.com/IrracionalismoModerno
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