Lukács e a decadência ideológica burguesa
O Capitalismo Criou Ser Humano Adequado ao Consumo
ESTER VAISMAN
Em sua análise da decadência ideológica da burguesia, a professora e pesquisadora Ester Vaisman explica como a manipulação do capitalismo atravessa todas as relações humanas, garantindo apoio ao pensamento conservador.
O Lukács considera que a partir ano de 1848 – o momento que marca, na Europa, a emergência de um novo sujeito revolucionário: a classe trabalhadora – a partir do momento em que surge um novo sujeito histórico, um novo sujeito revolucionário, que coloca em questão, que coloca em xeque o modo de vida construído pela burguesia, o modo de vida matrizado pelo Capital, a partir desse momento, a burguesia não tem mais condições de olhar para a realidade e dizer como ela é. Ela perdeu essa capacidade. Então, a decadência ideológica tem início em 1848, atinge o seu ápice nas figuras do pensamento do Nietzsche e do Heidegger, e se o Lukács ainda estivesse vivo, diante dos continuadores de Nietzsche e de Heidegger, principalmente os franceses, ele diria que a decadência continua.
E como essa decadência ideológica se manifesta? Primeiro, em largos traços, há a afirmação de uma impotência do ser humano, não só de conhecer a realidade – que é uma espécie de ilusão dos meus sentidos ou algo que o meu imaginário construiu – ou seja, esta incapacidade de conhecer a verdade, que é algo que se atinge, se tanto, por meio da obra de arte, mas não por meio da razão, não por meio do conhecimento, não por meio da ciência, não por meio da Filosofia, tem-se essa impotência e incapacidade humana de mudar seu mundo, de transformar seu mundo.
Então, qualquer ideia de libertação, de emancipação, pelo menos na Filosofia contemporânea, é considerada como uma utopia, no melhor dos casos, ou uma recaída tardia nas tendências socialistas, stalinistas, de constituição de um mundo onde todas as pessoas possam viver bem, em todos os níveis, não só no nível material , mas no nível cultural.
Enfim, de fato o Capital mostrou, evidenciou uma sobrevida, uma capacidade de autoperpetuação e de reprodução inimagináveis. E com isso, ele desenvolveu aquilo que a gente poderia chamar de ser humano adequado ao capital. O que significa o capital? O capital não é uma coisa, uma relação social, mas ele ganha uma autonomia. É como se ele tivesse uma vontade própria. Ele atua independentemente das suas personificações sociais, da sua personificação social que é a burguesia, e constrói um ser humano adequado a ele.
O Lukács morre em 1971, mas já identificava algo que hoje é empiricamente constatável. Com o predomínio da mais valia relativa, a manipulação não se dá apenas no nível da produção, daquele que trabalha, mas também no nível do consumo. Então, o fato de um ‘shopping center’ se tornar um lugar de lazer para as pessoas no fim de semana é um símbolo maior desta manipulação que ocorre no nível do consumo.
Então, a alienação não é um fenômeno que atinge apenas aquele que trabalha na indústria, mas a alienação, ou seja, a manipulação, é algo que atinge todos nós que não atuamos diretamente na produção. Não estamos no chão da fábrica, mas estamos sob o efeito da alienação nesse nível, não só como consumidor, mas atinge as nossas relações no interior da família, as nossas relações no trabalho, as nossas relações afetivas, amorosas, as nossas relações de amizade, as relações de pai e mãe, filho etc. etc. É um processo que atravessa todas as relações humanas hoje. Isto é empiricamente constatável; isto é que explica, em parte, porque a Direita tem galvanizado tantas atenções e obtido tanto apoio.
É que com a debaque do Leste Europeu, aparentemente, nós não temos saída à Esquerda. Aparentemente a perspectiva de Esquerda morreu. Então, o mercado se mostrou, ou seja, o princípio liberal, mostrou-se mais uma vez incapaz de solucionar os problemas sociais, os problemas políticos, os grandes interesses voltaram a se chocar, grandes interesses de várias ordens, seja de ordem econômica, seja de ordem geopolítica, voltaram a se chocar, e a única alternativa que está posta para muitas pessoas é uma ditadura, é a Direita, o culpado é o imigrante, o culpado é o Ocidente, o culpado é o Islã… Há sempre a busca de um bode expiatório. É impressionante como esta faceta da História se repete.
Referência:
VAISMAN, Ester. Capitalismo criou ser humano adequado ao consumo. São Paulo: Opera Mundi (Entrevistas e Perfis), 30 out. 2014. Entrevista concedida a Dodô Calixto e Rodolfo Machado. Disponível em: <http://operamundi.uol.com.br/conteudo/entrevistas/38362/capitalismo+criou+ser+humano+adequado+ao+consumo+diz+filosofa+sobre+burguesia.shtml>
Nota: Ester Vaisman é professora de Filosofia da Universidade Federal de Minas Gerais, e organizadora do livro “Lukács: Estética e Ontologia”.
Ilustração:
Szegedi Lukács György Bernát(1885 – 1971) – Budapeste-Hungria – Um dos grandes pensadores do Século XX – Foto de autor desconhecido.
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