“Higesipo Brito” por Higesipo Brito (Cap. XIII)
Diploma da Justiça Eleitoral concedido a
Higesipo Augusto de Brito – Vereador
de Rio Acima – Eleição de 1962
AS MEMÓRIAS DE UM MENINO, DE UM RAPAZ, DE UM HOMEM
HIGESIPO BRITO
O que este relator mais se lembra do dia do julgamento, 30 de março de 1966, é do temor de uma injusta condenação, mesmo confiando na competência do Doutor Odilon que, muito dedicado à causa, trocava ideias comigo e relatava tudo que estava fazendo para provar a minha inocência, passando-me a certeza de que eu seria absolvido. Lembro-me de antes de ser levado ao fórum, ter feito a promessa à Nossa Senhora da Conceição de acompanhar descalço a procissão do enterro de Cristo na próxima Semana Santa, para que ela me concedesse a graça de ser abolvido.
Ao entrar no Tribunal do Juri escoltado, eu usava terno e gravata mas estava descalço. Como prometera a Nossa Senhora, tirara os sapatos para demonstrar a minha humildade, e levava o terço nas mãos para passar o tempo em orações. Lembro-me da minha dor por ser tratado como criminoso, sem jamais tê-lo sido. Eu tinha de ser forte, manter-me tranquilo, pois precisava contribuir para a minha absolvição, conforme me orientara o Doutor Odilon, e a oração era meu alento naquele doloroso momento. Ao ver Maria, Britinho, Stela e Humberto comungando o meu sofrimento, fui tomado por um pranto convulsivo até o final do julgamento, só interrompido quando fui interrogado pelo MM. Juiz. Lá estavam também, solidários à minha dor, meus queridos irmãos Cícero, Francisco, Totone, José e Amantino, e meus cunhados João de Brito e Aparecida.
Fórum Augusto de Lima – Nova Lima
Foto de Wellington de Oliveira
Presidido pelo MM. Juiz Doutor Luiz da Fonseca Villares, o Tribunal do Juri contou com os trabalhos do representante do Ministério Público, Dr. Saad Bedran, na acusação, do advogado Odilon Ferreira da Silva, que atuou assistido pelo advogado da S. A. Metalúrgica Santo Antônio, Marino Costa e Silva, na defesa, e pelo escrivão do crime José da Cruz Lacerda Neto.
O julgamento teve início com o sorteio dos jurados, tendo sido escolhidos: Raimundo Nascimento de Almeida, Roberto Martins Gaviolli, José Bento Pinto Júnior (Raposos), Lincoln Perez dos Santos, Antônio Nicolau Braga, José Monsueto Calixto (Raposos), Manoel Raimundo de Almeida Neto. A seguir, o MM. Juiz chamou “cada um dos Jurados do Conselho, fazendo a seguinte exortação: “EM NOME DA LEI, CONCITO-VOS A EXAMINAR COM IMPARCIALIDADE ESTA CAUSA E A PROFERIR A VOSSA DECISÃO, DE ACÔRDO COM A VOSSA CONSCIÊNCIA E OS DITAMES DA JUSTIÇA”. Os jurados nominalmente chamados pelo Dr. Juiz de Direito e Presidente, responderam: “ASSIM PROMETO” (Processo 254 – A, de 23 de março de 1965, à fl. 231). Também estavam presentes os jurados suplentes, convocados por intimação, no dia anterior, 29 de março de 1966: José Perez Gonçalves, Antônio Dias de Oliveira e José Roussim Guedes (Processo 254 – A, de 23 de março de 1965, à fl. 230).
Depoimento de Higesipo ao Tribunal do Juri
Nova Lima – 30 Mar 1966
Em seu depoimento ao Tribunal do Juri, este relator confirmou a veracidade da tentativa de homicídio que sofrera e de seu ato de legítima defesa da vida: “Que no momento, digo, que no dia e na hora do fato, estava no local onde Modesto chamou êle, interrogado e que êste local era na beira da Estrada; que tomou parte no fato ocorrido; que não conhece as provas apuradas contra sua pessoa; que assistiu as inquirições na polícia e aqui em Juízo; que é verdadeira a imputação que lhe é feita, de ter dado tiro em Modesto; que conhece as testemunhas há muito tempo, com exceção de Raimundo Felix dos Santos, conhecendo a vítima, também, há muito tempo, que tem a alegar não serem verdadeiros os depoimentos das testemunhas arroladas, isto só em relação às testemunhas Raimundo Felix dos Santos, Raimundo Cardoso de Oliveira e Nelson Rodrigues e o próprio Modesto; que atirou em Modesto por ter tomado uma porretada na cabeça, sendo a mesma lhe dada por um filho de Modesto, de nome Osvaldo; que Modesto chamou o declarante para conversar um pouco e quando chegou notou que os lábios de Modesto tremiam, o qual falou com o interrogado que estava tudo errado, isto se referindo às divisas dos terrenos da S. A. Metalúrgica Santo Antônio com os herdeiros de João Rodrigues Tiago, que a prova que pode dar de que está falando a verdade aqui em Juízo, são as escrituras da compra dos terrenos que a Metalúrgica tem; que respondeu para Modesto que tudo estava certo e que o interrogado já havia apresentado para êle, Modesto, na presença do Juiz de Paz, por duas vêzes, as escrituras do referido terreno, com o que Modesto estava de perfeito acôrdo, tendo assinado um documento a rôgo, porque o mesmo não sabe assinar, tendo Modesto concordado e pedido para permanecer nos terrenos, sob alegação de que não tinha terrenos para plantar, que não há mais pessoas envolvidas com o declarante nêsse crime; que nunca foi preso e nem processado; que relativamente à prova de que está falando a verdade é que tem a testemunha Anisio Silvio dos Rêis, que tudo presenciou. Nada mais disse nem lhe foi perguntado […]” (Processo 254 – A, de 23 de março de 1965, à fl. 232).
Depoimento de Higesipo ao Tribunal do Juri
Nova Lima – 30 Mar 1966
A arguição das testemunhas tem início com as denominadas “Testemunhas do Libelo”, ou seja, da acusação, que o MM. Juiz elegeu como tal: Antônio Agostinho da Silva, Raimundo Cardoso de Oliveira, Constantino Eliziário Magalhães (que também foi indicado como testemunha da defesa) e Raimundo Félix do Santos (que não foi localizado para receber a citação, pois conforme o Doutor Odilon acusou, mudou-se de Rio Acima tomando rumo ignorado, justamente, para fugir da responsabilidade pelo falso testemunho dado em Juízo, de ter visto cenas do crime).
Interrogado pelo Dr. Promotor de Justiça, Antônio Agostinho da Silva foi claro quanto à questão das divisas: “[…] que era Juiz de Paz quando do fato constante do processo, que esteve com Modesto relativamente a questão do terreno e alí foi à pedido de Higesipo; uma vêz foi para procurar Modesto e outra vêz para procurar Raimundo Cardoso; que eram questões diferentes e à pedido de Higesipo tratou das divisas dos terrenos da SAMSA, com Modesto e com Raimundo Cardoso; que viu os documentos de Modesto; que o depoente achou que Modesto estava um pouco errado; que o depoente verificou a descrição exata dos documentos e nos terrenos tendo entrado em entendimentos com Modesto; que o entendimento foi que Modesto concordou com Higesipo de assinar um documento de como a SAMSA concordaria com a continuação do plantio de Modesto, dentro dos terrenos da SAMSA; que sabe que esse documento foi assinado, lá mesmo no campo, sendo que Modesto, no momento, disse que não sabia assinar e pediu um “A rogo”, que foi Constantino Magalhães, tendo o depoente lido e assinado o documento”. Respondendo a pergunta do Promotor de Justiça (após interferência do MM. Juiz com o pedido de que fosse lido o tal documento assinado por Modesto “A rogo”, conforme apresentado por Higesipo no seu relato ao Delegado de Polícia de Rio Acima, segundo consta do Inquérito Policial), sobre se o documento assinado no campo era o mesmo contante no Inquérito Policial, Antônio Agostinho da Silva afirmou: “Que efetivamente existiu êste documento e o documento que o depoente assinou foi nêstes termos”, contrariando o que expusera em seu depoimento anterior em Juizo, quando disse que avalizada apenas uma parte do documento do acordo com Modesto que Higesipo alegou ter sido assinado no campo. Inquirido pelo Promotor a explicar essa contradição, a testemunha respondeu: “Que o documento que o depoente assinou foi somente este que foi lido agora; que talvêz seja mal entendido, quando depôs em Juizo, com relação ao trecho: “que esse documento lido ao depoente não foi lá mostrado ao depoente”; que êsse trêcho, digo, que êsse terceiro trêcho, também lido para o depoente deve ser também confusão na hora. Este trecho se refere ao seguinte: “Que o depoente não assinou documento algum nos têrmos dêsse que lhe foi lido agora”. Quanto ao trêcho que diz “que se fosse feito algum documento igual ao que lhe foi lido e constante das fls. 18 e 19, não o assinaria”, que esse também, deve ter havido qualquer confusão”. […] Interrogado pela defesa de Higesipo, o depoente informou que, na ocasião da assinatura do acordo, “Que Modesto estava acompanhado de dois filhos não se recordando dos nomes, sendo dois rapazes; […] que houve plena concordância de Modesto, com êsse documento, tendo concordado antes; que Higesipo é boa pessoa, salvo engano pai de sete filhos” (Processo 254 – A, de 23 de março de 1965, à fl. 233-234).
Interrogado pelo Dr. Promotor de Justiça, a testemunha de acusação Raimundo Cardoso de Oliveira, contrariando o dito em seus depoimentos no Inquérito Policial e na Instrução Processual, respondeu: “Que não é testemunha de vista; que estava trabalhando na roça, arrancando amendoin, distante uns 300 metros, mais ou menos, da casa de Modesto e depois avistou Higesipo chegando, sòzinho, no curral de Modesto, chegando até o curral e aí não avistou mais Higesipo, porque havia uma árvore de jatobá e em frente da casa, na plantação de milho, tapava as vistas e assim avistou o mesmo do lado de fora do curral e do local onde o depoente estava ouviu uma discussão; que só ouviu uma zueira, uma discussão e depois três tiros de revolver, quando Higesipo correu, mais ou menos uns cem (100) metros, de depois do mesmo ter corrido cem (100) metros é que teve o tiro de espingarda, tendo Higesipo corrido em direção ao caminhão; que os três (3) tiros ouvidos foram um atrás do outro; que depois soube que êsses tiros eram por questão de divisas, uma confusão de divisa lá com a SAMSA, a qual era com o depoente, mas depois êle, depoente, vendeu para o Dr. Hugo Correia Dolabela; que Modesto também era herdeiro do pai dêle e o depoente comprou em mãos de Modesto o direito de ação a, digo, o direito de ação de terra e depois comprou outra parte de Jesus Custódio; que Higesipo começou uma medição de terra, botando uns marcos lá, dizendo que ali era da SAMSA e então, de acôrdo com a “nossa” escritura que tinhamos, não estava certa a colocação dos marcos que Higesipo fazia; que o depoente recebeu uma ordem do Dr. Hugo Gouvêa Dolabela, para arrancar os marcos e êu, o Dr. Hugo, Modesto e os herdeiros, em número de sete (7), arrancamos os marcos que Higesipo colocou e aí vem dando essas dúvidas, até onde parou; que, Higesipo de acôrdo com a escritura, estava invadindo, com êsses marcos que êle fincava, os terrenos de propriedade do depoente e de Modesto. Que êsses marcos que Higesipo fincava, inadia, digo, invadia terras de Modesto e incluía até a casa do mesmo, dentro desses marcos; que não sabe se Higesipo tinha ordens judiciais para fincar êsses marcos, absorvendo a casa de Modesto; se não sabe se Dr. Hugo e Modesto foram intimados pela Justiça, para permitirem que Higesipo e seu pessoal fincassem êsses marcos nas terras do depoente, Modesto e herdeiros; que não sabe informar se Modesto foi intimado, posteriormente a êste crime, para um ação em Juizo, relativa a terra, pois o depoente já tinha se mudado de lá; que o Dr. Hugo não permitiu a Higesipo fincar marcos em seus terrenos, porque mandou arrancar os marcos que Higesipo havia, nos mesmos, colocado; que quem está perto do caminhão, no qual entrou Higesipo, avista-se o curral de Modesto, porém embaçado, devido a um pé de jatobá e moita de bananas e parreira de chuchú, pé de mamona, etc; que não viu pessoa descer com um carrinho, vindo do lado do caminhão; que não viu Modesto chamar Higesipo. Só viu Higesipo depois que o mesmo saiu do buqueirão até a esquina do curral, tendo Higesipo ido direto para o curral de Modesto; que conhece Modesto morando no local e alí plantando, desde sete (7) anos atraz, mais ou menos, tempo durante o qual o depoente alí morou como proprietário; que Modesto, para o depoente, era homem máu; que Modesto é analfabeto; que não conhece o documento assinado por Modesto, assinado lá no mato. Dada a palavra ao Dr. Odilon Ferreira da Silva, respondeu a testemunha: Que o pai de Modesto falava sempre ao depoente, que havia vendido uma faixa de terra para a SAMSA, não tendo explicado ao depoente, qual faixa que ele vendeu; que o pai de Modesto não disse a faixa vendida, como já afirmou; que só depois que recebeu a escritura, conheceu isto; que na escritura do depoente constava o seguinte: Respeitar uma faixa de vinte (20) metros e era só isto que dizia, e mais, “na margem da represa”; que a represa é formada, digo, que êsse córrego do buqueirão de que falou o depoente, é um “galho” da represa, isto é, vai para a represa; que confirma ter Higesipo saido do buqueirão e ir até a esquina do curral de Modesto; que depôs na polícia e em Juizo, live e expontâneamente; que confima o depoimento prestado na polícia, de fls. 7 e lá, disse aos mesmos que eram três tiros e êles disseram que não tinha importância ter colocado dois (2) tiros no depoimento dêle; que estava com uma enchada na mão, arrancando e apanhando amendoin, na hora dos tiros; que Raimundo Felix era seu companheiro no trabalho; que tem, o depoente, um filho de nome Gastão; que depois que houve o caso lá, isto é, os tiros, Modesto deu alarme e o depoente ficou sabendo por intermédio do próprio Modesto; que o mesmo Modesto disse ao depoente que um irmão dêle, Modesto, fôra assassinado no “Buraco do Pinto”; que viu o carrinho da SAMSA no outro dia do crime” (Processo 254 – A, de 23 de março de 1965, à fls. 235 e 236).
Alto Mingú – Rio Acima
Foto de Marcelo Pinheiro
Iniciando os depoimentos das “Testemunhas da Contrariedade”, ou da defesa, Constantino Eliziário Magalhães responde ao Promotor de Justiça, “que não é testemunha de vista; que tomou conhecimento à noite, indo à casa de Higesipo, o qual estava com a cabeça maçetada, o qual lhe disse ter sido atacado pelo filho de Modesto, porquê êle, Higesipo, se encontrava em serviço da companhia Metalúrgica Santo Antônio e que êle, Higesipo, estava batendo um piquete, quando recebeu a pancada, não sabendo o nome do filho menor de Modesto, que deu a pancada em Higesipo; que Higesipo falou que estava preparando o terreno, isto é, limpando o marco, para bater o marco, digo, limpando o mato para bater o marco, quando foi agredido pelo filho de Modesto; que Higesipo falou que em dado momento o seu Modesto gritou ao filho: “Não vai tocar o bezerro?” e nêste instante Higesipo recebeu a dita pancada; que Higesipo não disse ao depoente se tinha reagido, disse apenas ao depoente que tinha perdido o sentido; que o depoente perguntou a Higesipo se tinha tomado as providências cabíveis e êle respondeu que sim. Havia procurado um médico e a polícia em Rio Acima e depois veio a Nova Lima, não sabendo se foi feito inquérito; que muito antes desse acontecimento esteve no Mingú o Sr. Juiz de Paz, Antonio Agostinho da Silva que foi solicitado por Higesipo, como mediador dos fatos; que essa mediação era para que Modesto concordasse no levantamento topográfico da bacia da represa e para que êle tivesse, digo, para que êle obtivesse uma licença, por escrito, para continuar plantando à margem da reprêsa, abaixo dos marcos êstes existentes dêsde a construção da referida barragem; a qual foi construída em 1936, mais ou menos; que Modesto, nesta ocasião, não, digo, não plantava nêste terreno; que Modesto não morava neste ponto onde êle está; que os antecessores de Modesto morava, digo, moravam do outro lado; que Modesto morava, digo, que Modesto plantava abaixo dos marcos, há três anos; que sempre Higesipo exigiu que Modesto fosse ao escritório para fazer um documento para poder plantar nêste terreno; que durante essa resistência de Modesto, Higesipo falou com o depoente que foi tomada providência judicial contra Modesto e que isto aconteceu antes dos tiros; que Higesipo disse que o Juiz tinha autorizado o levantamento da represa da bacia e apesar disso Modesto constumava resistir ao levantamento, porque o serviço que era feito na parte da manhã, era demolido à tarde; que parece que a Santo Antônio não assistia êsse quadro de braços cruzados; que sempre era enviado ao seu quadro jurídico todas as ocorrências da referida companhia, situada em Rio Acima; que não é do conhecimento do depoente as providências tomadas pelo quadro jurídico da Santo Antônio e que sabe dêsses fatos por conhecimento próprio, porque Higesipo lhe mostrava os memorandos; que no dia em que Higesipo levou um documento, batido, no campo, documento batido a máquina, o depoente assinou o mesmo, à pedido de Modesto; que o documento era de autorização da SAMSA para que o Sr.. Modesto continuasse plantando no mesmo local; que o documento que o depoente assinou só dizia isto, exclusivamente; que não se recorda se o documento era escrito em papel timbrado da Companhia. Perguntado pelo Dr. Promotor de Justiça se o depoente jura aqui, que era só isto que constava do documento que êle assinou à rôgo de Modesto, respondeu, depois de meditar um pouco: “Que sim”, “Sim era só isto”, que aproximadamente êsse documento devia ter umas seis linhas; que o Juiz de Paz de Rio Acima, Antônio Agostinho da Silva, estava lá quando êste documento foi assinado pelo depoente, mas não se lembra se Agostinho assinou o mesmo; que lá estavam Faustino Bonifácio, Raimundo Anatalino e salvo engano Francisco de Morais Filho; que o documento foi assinado pelas testemunhas Faustino Bonifácio, salvo engano, só; que Anisio Silvio dos Rêis não estava no local, por oacsião da assinatura à rôgo; que à rogo de Modesto asssinou esta autorização, batido em três vias, à pedido de Modesto. Perguntado se confirma isto com absoluta certeza e convicção, repondeu: “Que sim”; que Antônio Agostinho da Silva, Juiz de Paz, mandou chamar Modesto lá no campo, no dia da assinatura dêsse documento em três vias; que Modesto se encontrava em sua casa; que não foram à casa de Modesto porque o caminho não estava permitindo que o caminhão fosse mais próximo. Perguntado se à pé podia ir, respondeu: “Sim”. Dada a palavra ao Dr. Odilon Ferreira da Silva, às suas perguntas, respondeu a testemunha: Que Higesipo passou de caminhão e o depoente aproveitou o caminhão e foi até o ponto do serviço de carvão do depoente, em “Três Manilhas”; que no caminhão tinha Anisio; que Higesipo falou com o depoente que estava fincando piquetes abaixo de um dos marcos, abaixo da casa de Modesto, entre o córrego e uma pequena passagem de tropa e nêste córrego há um buqueirão, próximo à casa de Modesto. Pelo Dr. Odilon Ferreira da Silva foi requerida a leitura do trêcho constante da declaração feita por Higesipo, constante das Folhas 18 e 19, dirigidas ao Delegado de Polícia de Rio Acima, para saber se lá no campo foi lido um documento dêsse teôr e se o depoente assinou documento dêsse teôr, lá no campo e cujo trêcho é o seguinte: “DECLARO para confirmar os entendimentos havidos entre eu Modesto Rodrigues, brasileiro, casado, lavrador, domiciliado na Fazenda do Mingu, município de Rio Acima, Comarca de Nova Lima, Estado de Minas Gerais, e a S/A METALÚRGICA SANTO ANTÔNIO, sediada em Belo Horizonte, à rua Rio de Janeiro, 651, 2° andar, representada neste ato pelo Sr. Higesipo Augusto de Brito, brasileiro, casado, industriário, residente à rua 28 de dezembro, n° 201, nesta cidade de Rio Acima, entendimentos os quais, ocorridos em data de 18 de fevereiro do corrente ano perante os senhores Antônio Agostinho da Silva – Juiz de Paz – Constantino Eliziário Magalhães e Francisco de Morais Campos Júnior, que, após ter eu tomado conhecimento das demarcações divisórias da documentação que outorga à S/A METALÚRGICA SANTO ANTÔNIO, legal e pleno direito de propriedade das terras situadas na bacia inundavel da, digo, pela reprêsa Usina do Mingu, nos pontos de intercesção com a crista da barragem, elevada a 20 metros (vinte) de altura acima do nivel da água do pôço da cachoeira no tempo da seca, assim como reza a escritura datada de 8 de novembro de 1964, digo, 1932, em poder da referida Empreza, estou de pleno acôrdo em retirar imediatamente à verificação da referida documentação, no que se deu hoje, tôdas as cêrcas de arame que tenho construído dentro das terras de propriedade da S/A METALÚRGICA SANTO ANTÔNIO, defendida, nesta e em outras escrituras existentes e que comprovam a existência de direitos de propriedade da mesma emprêsa, dentro das divisas gerais da Fazenda do Mingu. TODAVIA, considerando as despesas que efetuei com plantio de víveres em alguns pontos da bacia acima mencionada, e considerando ainda que, não disponho, no momento, de qualquer outras áreas de terras de cultura, venho solicitor da S/A METALÚRGICA SANTO ANTÔNIO, autorização no sentido de serem mantidos os tapumes das áreas plantadas por mim, assim como a continuação do cultivo que venho mantendo nas referidas áreas, por prazo indeterminado e para unico efeito de plantio, comprometendo-me perante as testemunhas abaixo, que a tudo assistiram e presenciaram a remover ditos tapumes, deixando as areas, objeto da presente declaração, livres e desempedidas, sem qualquer embargo ou resistência, à todo o tempo em que, pela S/A METALÚRGICA SANTO ANTÔNIO, ou possíveis sucessores, forem as mesmas exigidas. Rio Acima, 18 de março de 1964. Ass)- Constantino Eliziário Magalhães a rôgo de Modesto Rodrigues _ TESTEMUNHAS: Anisio Silvio dos Rêis, Geraldo Alves de Souza, Francisco de Morais Campos Júnior, Antônio Agostinho da Silva – Juiz de Paz”; que recorda deste documento antes, digo, pela Testemunha foi dito que recorda dêste documento, antes do conflito; que o depoente assinou este documento com as outras testemunhas; que depois dêsse documento Modesto estava em acôrdo e depois, o depoente não sabe nem porquê e nem p’ra que, surgiu o impasse, não só dêle, como de Raimundo Cardoso e o Dr. Hugo, que estava adquirindo a propriedade do Sr. Raimundo Cardoso; que não era do conhecimento do depoente o que era êsse impasse e que dias depois houve o conflito, os tiros, que o depoente conhece os documentos, a escritura da SAMSA foi exibida ao depoente e aos demais que se encontravam presentes; que Raimundo Cardoso disse que não interessava assunto nenhum nem com o Juiz de Paz e nem com o Sr. Higesipo, mas o Senhor Modesto ouviu a leitura das mesmas; que Raimundo Cardoso não estava perto; que na hora Modesto não alegou nada; que Modesto antes de mudar-se para onde se encontra, morava numa, digo, morava num barracão na área florestada, de propriedade da SAMSA; que o terreno demarcado é da Metalúrgica Santo Antônio; que Anisio nada contou ao depoente em relação ao crime; que Modesto perdeu o irmão mais moço, num tiroteio no “Buraco do Pinto”; que João Rodrigues, irmão de Modesto, inutilizou o braço de um maquinista, com uma facada e depois suicidou-se; que Antônio Rodrigues assassinou a primeira esposa com golpes de navalha e depois cortou seu próprio corpo; que Higesipo deve ter 9 a 10 filhos. Nada mais lhe foi perguntado” (Processo 254 – A, de 23 de março de 1965, à fls. 236, 237 e 238).
Arguida pelo advogado da defesa Odilon Ferreira da Silva, a testemunha Francisco de Morais Campos Júnior, respondeu: “Que Modesto estava de acôrdo com o documento que lhe foi lido lá no campo, o qual é assinado a rôgo a pedido dêle, Modesto, o qual foi assinado por Constantino, salvo engano; que o documento se refere a um plantio que o Modesto tinha lá perto da Reprêsa; que só por ouvir dizer soube ter o pai de Modesto vendido suas terras para a SAMSA, não sabendo se vendeu todas as terras que tinha; que o Juiz de Paz leu o documento para Modesto não se recordando se mais alguém leu o mesmo; que Ilidinho falou com o depoente que Modesto havia dito que se topasse com Higesipo ia pegar êle pelo peito da camisa, que não contava com a polícia; que Modesto estava acompanhado de seu filho mais velho e não se recorda se o outro menino dêle estava também; que abaixo da casa de Modesto tem um córrego que serve a casa de Modesto, lá dentro do boqueirão; que conhece Higesipo há bastante tempo, sendo seu procedimento, bom; que ouviu contar que Higesipo tomou uma “cepada” sendo a mesma na cabeça; que todo mundo comentou que o filho de Modesto deu a “cepada” em Higesipo; que todos dois deram tiro; que não sabe quantos filhos Higesipo tem. Dada a palavra ao Dr. Promotor de Justiça, às suas perguntas respondeu a testemunha: Que Modesto não leu o documento porque não sabia ler; que não tem certeza se o filho de Modesto foi para ler; mas lembra que ele pegou no documento para ler; que o filho de Modesto olhou para o documento, pegou no documento e ficou muito tempo olhando para o mesmo; que não se recorda se o documento foi feito antes de ser levado para lá; que o depoente é amigo de Higesipo e trabalha sob suas ordens, há 7 (sete) anos, mais ou menos; […] que conhece Modesto há 6 ou 7 anos, mais ou menos; que não pode dar informação de Modesto, porque êle nunca fez mal ao depoente.” (Processo 254 – A, de 23 de março de 1965, à fls. 238 e 239).
Local do crime visto da posição da testemunha ocular
Anisio Silvio dos Rêis – Rio Acima – Mingú – 1966
Ao ser interrogada pelo advogado da defesa Odilon Ferreira da Silva, a testemunha Anisio Silvio dos Rêis respondeu: “Que é testemunha de vista, “que nós ia fazer o serviço de demarcação da divisa e o depoente e Higesipo iam sozinhos e lá êle encostou o caminhão no ponto de saída e desceu, digo, tendo Higesipo dito que ia à frente, à pé para ver se achava a marcação dos marcos, dos buracos para assentar os marcos e o depoente ficou em cima do caminhão, pondo areia e cascalho no carrinho, para fazer o concreto na beirada do córrego e o depoente desceu com o carrinho achando-se do outro lado Higesipo, procurando marcação para pôr os marcos e depois chegaram Modesto e dois filhos, na beirada de uma cerca, chamando Higesipo para conversar um pouco e tomar café e o depoente seguia com o carrinho e Higesipo conversou com Modesto e seus dois filhos; que o depoente viu Higesipo pegar uma foicinha e roçar umas plantas, foicinha que ele levava nos dias anteriores e viu quando um dos filhos de Modesto, um menor, foi em casa e êles continuaram conversando; que o depoente notou que o filho de Modesto voltava de casa com as mãos para traz, com um porrete na mão, não sabendo se era pau ou se era ferro e êsse filho de Modesto chegou atraz de Higesipo e deu-lhe uma pancada atraz da cabeça e viu que Higesipo rodou para cair no chão. Que Higesipo arrancou do revolver e deu dois tiros para cima e saiu correndo. Modesto foi em casa, apanhou uma espingarda e levou em direção de Higesipo para atirar e Higesipo já se encontrava do outro lado do córrego e atravessou uma cêrca e agachou no capim e Modesto levou a espingarda em sua direção e gritou, digo, em sua direção e deu um tiro e gritou: “Toma desgraçado” e o depoente parou com o carrinho e nessa altura a dona de Modesto também veio com uma foice e um dêles “gritaram” que tinha para mim também e o depoente vendo que Higesipo se encontrava no capim, foi em socorro dêle e viu que a turma de Modesto não vinha mais atacar o depoente e depois se retiraram dentro do caminhão e lá ficaram o carrinho e as ferramentas e Higesipo veio para Rio Acima e de lá veio para Nova Lima, para a delegacia e Sandú; que na hora em que Higesipo foi chamado, estava longe de Modesto uns 20 metros; mais ou menos; que Higesipo não estava perto do córrego; estava um pouco distante; que a distância era de 50 metros, mais ou menos de Higesipo ao córrego; que a distância de Higesipo ao curral de Modesto era de 50 metros, mais ou menos, isto na hora da discussão; que não sabe se o carrinho foi entregue em algum lugar; que o ambiente era calmo na hora da discussão; que o depoente estava distante dos mesmos, cêrca de cem (100) metros; que via um pouco da casa de Modesto; que o curral via muito pouco; que do local onde estava via as pessoas que discutiam; que Higesipo não comentou o caso com o depoente; que notou que Higesipo estava com um caroço atraz da cabeça. Dada a palavra ao Promotor de Justiça, às suas perguntas respondeu a testemunha: Que Higesipo e Modesto estavam de costas para o depoente; que os dois conversavam pertinho um do outro e Oswaldo também estava perto, conversando de costas para o depoente; que Oswaldo veio de frente para o depoente e com as mãos para traz e viu o porrete depois que o mesmo chegou perto de Higesipo; que Modesto e seu filho estavam do lado de fóra, mais perto da cêrca, no momento em que Modesto chamou Higesipo; que os marcos a serem colocados o depoente não sabe se eram nos terrenos da companhia ou nos terrenos de Modesto, um era o lado de dentro da cerca a ser colocado e os outros o depoente não sabe se eram do lado de dentro ou de fora da referida cêrca; que Higesipo caminhou em direção do córrego, e depois atravessou o córrego e foi caçar os buracos para assentar os marcos; que Higesipo estava em pé conversando, com Modesto e seus dois filhos, quando recebeu a porretada; que Higesipo quando foi para lá levou a foice, como era de seu costume, mas o revolver o depoente não notou; que o depoente trabalhou para a SAMSA por quatro dias e somente quatro dias, e Higesipo nos dias anteriores levava essa foice; que esses dias anteriores iam somente ao Mingú; que não sabe de fato que deponha contra a conduta de Modesto e conhece Modesto há pouco tempo, de vista; que não sabe se Modesto morou sempre nêste lugar; que não ouviu a conversa de Higesipo com Modesto; que quando Modesto convidou Higesipo para tomar café o depoente estava distante cem (100) metros, distante dos contendores, na hora da cacetada; que o carrinho andava devagar; que o depoente estava distante da casa, digo, que ida e volta do menor para ir à sua casa, de onde veio com o porrete, dá, mais ou menos cem metros: que o menino foi andando e não correndo” (Processo 254 – A, de 23 de março de 1965, à fls. 239 e 240).
Durante essa estapa do julgamento, emocionalmente abalado, este relator se revezava entre as orações e um incontido pranto. Por mais que ouvisse as testemunhas de defesa serem firmes em suas respostas e manterem seus depoimentos iniciais, avalizando a verdade dos fatos, não conseguia sentir-me seguro na absolvição. O meu destino estava sendo traçado sem que eu pudesse interferir naquela indefinição sem fim. Sentia medo de sucumbir à intensa angústia que me apertava o peito.
HIGESIPO BRITO
Rio Acima, SET 1995.
A narrativa do autor prossegue em próxima postagem.
Referência:
BRITO, Higesipo Augusto de. As memórias de um menino, de um rapaz, de um homem [Rio Acima, set. 1995.17 f. Mimeografado]. Chá.com Letras, ago./set./out., 2013. Disponível em: <www.chacomletras.com.br>.
Coautoria
Leila Brito
Revisão, pesquisa de imagens e edição:
Leila Brito
Ilustração:
Foto 1 – Diploma da Justiça Federal concedido a Higesipo Augusto de Brito, eleito vereador em 1962. Processo 254 – A, de 23 de março de 1965, à fls. 183).
Foto 2 – Fórum Augusto de Lima – Nova Lima – Foto de Wellington de Oliveira – 2006. Disponível em: <http://www.flickr.com/photos/9121413@N08/662607514/>
Foto 3 – Depoimento de Higesipo Augusto de Brito no julgamento ocorrido em 30 de março de 1966 – Fórum Augusto de Lima – Nova Lima – Processo 254 – A, de 23 de março de 1965, à fls. 232 – frente).
Foto 4 – Depoimento de Higesipo Augusto de Brito no julgamento ocorrido em 30 de março de 1966 – Fórum Augusto de Lima – Nova Lima – Processo 254 – A, de 23 de março de 1965, à fls. 232 – verso).
Foto 5 – Vista aérea do Alto Mingú – Foto de Marcelo Pinheiro – Fotografia em arquivo digital com 84,67 x 56,44cm de tamanho com 72 DPI de resolução. Disponível em: <http://www.sobrebelohorizonte.com.br/loja/product_info.php?cPath=39_46_83&products_id=922&osCsid=ctrb941j4jmgls0759sd0erv70>.
Foto 6 – Local do crime visto da posição da testemunha ocular Anisio Silvio dos Rêis – Rio Acima – Mingú – Lima – Processo 254 – A, de 23 de março de 1965, à fls. 114.
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