A um menino inesquecível
VEM CÁ-BRITINHO!!!
LEILA BRITO
Vermelho de raiva, espumando pelos cantos da boca, os olhos saltando das órbitas, o menino grita um insulto para outro, numa tentativa de golpe mortal para a pendenga principiada na sala de aula. E a turma dele, solidária, faz coro entoando o refrão ofensivo: Vem cá-Britinho!!! Vem cá-Britinho!!! Vem cá-Britinho!!! O som estridente das vozes desce pela rampa lateral do grupo escolar e ganha a rua, explodindo triunfante!
Mas Britinho não dá o braço a torcer. Acostumado ao insulto, sai correndo, saltando feito um cabrito por cima do próprio orgulho. Para o cacófato, que soberbamente ele sabe denominar, não há resposta que faça frente. Nem mesmo “macarrão-da-santa-casa”, um insulto tão temido pelos garotos branquelos como seu contendor, faria o efeito desejado. Melhor mesmo, é fingir que não está ouvindo, e dar o troco numa hora em que o inimigo estiver vivendo um momento menos glorioso.
Chegando em casa, conta a história para a mãe, fazendo-se de vítima. Ele não fizera nada de mal para o colega insultá-lo daquele jeito. Uma tremenda injustiça! E tanto se defende que passa a acreditar na própria mentira. Horas depois, junto com o primo Edilson e o irmão Humberto, trama uma vingança à altura do insulto. Assunto resolvido e os três caem no rio num mergulho perto do “redimunho” que fica próximo à outra margem. Tudo escondido da mãe e do pai, claro. Nadando de braçadas, eles voltam para a margem do quintal da casa do primo, e com a água na altura da cintura, passam à pesca de saco. Os peixes que caírem na rede improvisada, vão fritar e saborear, depois de cortá-los ao meio, de fora a fora, e de retirar os miúdos, que nem tinham aprendido na aula de Ciências.
Quando voltam pra casa, depois de horas de desaparecimento, ele tem na ponta da língua outra história pra contar: “É que fomos buscar lenha no mato com o Edilson, lá pra cima do hospital. A mãe dele pediu pra gente! Pergunta pro Edilson! Pode perguntar pra “cumadre” também! Olha como a gente tá cheio de carrapato!”Dizendo isto, sai de fininho pra não dar chance de outras perguntas que possam complicar a situação. E como ele já havia sofrido uma dura humilhação naquele dia, a mãe está por demais sensibilizada para ter coragem de castigá-lo.
No dia seguinte, depois da vingança, outra confusão na saída da escola e, de novo, o coral de vozes estridentes: Vem cá-Britinho!!! Vem cá-Britinho!!! Só que desta vez, cheio de moral, ele devolve o insulto com aquelas “bananas” que tão bem sabe dar, e sai correndo em disparada, dando pulos e gritos, orgulhoso de si mesmo. É… O inimigo tem direito de reagir, depois de ganhar tantos cascudos e pontapés. E o coro da garotada soa como um hino de louvor à sua fama de menino esperto e valente.
Um menino tão forte, mas tão forte, que não morre nunca. Ele permanece vivo no enredo de suas incríveis histórias de sustos de assombração, fugas pro açude, nadanças no Rio das Velhas, mentiras fabulosas, castigos drásticos e surras homéricas, disputas de bolas de gude, peladas de rua, pesca de saco, caça a passarinho, namoricos de quintal, aventuras ao volante do caminhão da Samsa… E por mais que o tempo corra, por mais que a vida passe, por mais que o corpo cresça e desapareça, ele sobrevive triunfante no grito da garotada que ecoa solto pelas memórias das ruas de Rio Acima: Vem cá-Britinho!!! Vem cá-Britinho!!! Vem cá-Britinho!!!
Britinho e Tequinha
Ah… Rio Acima!
Terra de minhas travessuras.
Nadanças no límpido rio
e brincadeiras nas ruas.
Quisera que fossem tuas
as ondas dos meus delírios.
Ah… Rio Acima!
Recordo belos momentos
em tuas ruas passeando.
Meu coração, em pensamento,
com teu coração conversando.
(Poema de Higesipo Brito Júnior – “Britinho” – Junho/89)
Referência:
BRITO, Leila. Vem-Cá Britinho. Folha de Nova Lima, jun. 1999, Caderno Cultura, p. 5.
Ilustração:
Britinho aos 3 anos – 1947 – Foto de família.
Leila,
Parabéns pela linda e justa homenagem ao seu irmão Britinho e também aos seus pais que se foram. Os três, lá de cima, estão certamente sorrindo entre os anjos e aplaudindo o seu já conhecido talento de contar histórias (de pessoas, lugares, fatos e emoções) de forma singela, afetiva e com elevadíssima excelência literária.
Reconhecimento esse que enche de orgulho os seus amigos e, é claro, em especial, os integrantes da sua bonita família que têm a sorte de poderem contar com uma representante tão ilustre que consegue traduzir, em nome de todos, o grande e verdadeiro amor pela família.
Parabéns e envio meu abraço fraternal a você e seus familiares pela perda tão recente de sua mãe.
Querida Elena…
Que bela e tocante ovação!
Obrigada, acima de tudo, pela sensibilidade reconfortante.
beijo com carinho,
Leila
Olá prima!
Essas lembranças só me fazem chorar.
Gostaria de dizer tanta coisa… mas prefiro manter o meu silêncio. É tudo que tenho agora!
Lembrei-me de vc e seus irmãos estes dias todos, com muito carinho! Não tenho saudades, mas, muitas lembranças!
Somente um filme passa em minha vida: o que já se foi e o que nos espera.
Para mim tudo isto que nos acontece, é um tijolinho que se desprende da nossa morada terrena.
Totalmente sensibilizada no que está neste mural de recordações.
Abraços
Stela Freitas
Olá Leila,
Sou filha da Lucila, neta da Mariquinha, eu e meus pais transmitimos a você e seus irmãos nossos sentimentos.
Linda a homenagem prestada a seus pais e ao Britinho. A canção predileta deles toca fundo no coração. Belíssima!
Um grande abraço a todos!
Luciene, Lucila e Afonso
Eu aqui de novo… arriscando comentar as suas postagens … Adorei, fiquei comovida, beijos p/essas pessoas q já não estão + aqui, eles chegarão por seu intermédio…
Continuo, ruim p/escrever.
Bem vinda
Solange
Queridos Stela, Lucila, Luciene e Afonso…
Obrigada pelo carinho e pela demonstração de afetiva sensibilidade.
Sinto-me honrada com suas presenças aqui no blog.
Um grande abraço,
Leila
Solange…
Grata pelo carinho.
Você é e sempre será bem-vinda.
Abraço,
Leila
Oi, boa tarde!!!
Gostei muito do seu site, parabéns, muito sucesso, que Deus continue te abençoando ricamente, bjs JJ!!!!