“Higesipo Brito” por Higesipo Brito (Cap. XIV)
Higesipo e Leila – Colação de Grau em Magistério
Liceu Imaculada Conceição – Nova Lima – Dez. 1966
AS MEMÓRIAS DE UM MENINO, DE UM RAPAZ, DE UM HOMEM
HIGESIPO BRITO
Ouvidas as testemunhas, passou-se ao debate entre Acusação – representada pelo Ministério Público, na pessoa do maduro e experiente Promotor de Justiça Dr. Saad Bedran, e Defesa – representada pelo jovem advogado criminalista, nascido em Conselheiro Lafaiete, Odilon Ferreira da Silva, então com 32 anos.
Com argumentos que desconsideraram tanto a perícia fotográfica judicial que evidenciou a veracidade da sequência lógica dos fatos narrados por esta vítima e confirmados pela testemunha ocular Anisio Silvio dos Rêis, como o fato de ser impossível alguém errar alvos em tiros à queima-roupa estando fisicamente bem, pois defendendo a tese falaciosa de que o crime aconteceu no curral de Modesto Rodrigues, conforme a sua versão dos fatos confirmada por Raimundo Cardoso de Oliveira, ou seja, com a agressão tendo partido deste relator que, gratuitamente, disparou três tiros, à queima roupa, contra Modesto e seus filhos Osvaldo e Nelson, que foram salvos pela porretada de Osvaldo na minha nuca, o Doutor Saad Bedran valeu-se do recurso de rebaixar moralmente o réu Higesipo, acusando-o de ser temido em Rio Acima por ser perigoso, autoritário, agressivo e criador de casos. Outro trunfo usado pelo Promotor foi acusar Higesipo de ter mentido sobre a declaração assinada a rôgo por Modesto, usando de má fé ao apresentar, em seu relato ao Delegado de Polícia de Rio Acima, um documento que não correspondia ao realmente assinado no campo, “a rôgo” de Modesto, por Constantino Eliziário Magalhães. Também acusou o réu de tentar manipular o processo, juntando aos autos declarações de pessoas que, sob pressão, atestaram que foram ameaçadas por Modesto. Por fim, imputando ao réu os rótulos de bandido, crápula, mau-caráter, desonesto, autoritário e mentiroso, colocando-o abaixo de zero, o Promotor clamou por justiça, pedindo aos jurados para condenassem Higesipo pelo crime de atentado contra a vida da indefesa vítima, homem humilde e trabalhador, pai de família zeloso e pessoa do bem, Modesto Rodrigues, salvo de sua sanha assassina pelo responsável e protetor filho menor Osvaldo.
Defendendo a tese de que a verdade dos fatos estava de posse do inocente réu Higesipo, valendo-se da perícia fotográfica avalizada pelo perito João Lyo de Moraes, o advogado Odilon Ferreira da Silva desconstruiu, argumento por argumento, o enredo de mentiras relatadas no Inquérito Policial e na Instrução Processual por Modesto Rodrigues, seu filho Nelson e as testemunhas Raimundo Cardoso de Oliveira e Raimundo Félix dos Santos. Nessa desconstrução argumentativa, lembrou aos jurados que tais testemunhas eram suspeitas. Primeiro, porque Raimundo Cardoso de Oliveira era um dos invasores das terras da Metalúrgica Santo Antônio; e segundo, porque Raimundo Félix dos Santos provou que mentiu em seu depoimento ao Delegado de Polícia de Rio Acima, ao abandonar sua casa no Mingú, local onde residia com sua família, depois de saber da participação de seu filho Gastão na perícia judicial, porque ficou com medo de ser punido por falso testemunho, caso relatasse, em Juízo, fatos que nunca pôde presenciar, não sendo encontrado pela Justiça para receber a citação judicial, por ter dificultado ao máximo a sua localização.
Desembargador Odilon Ferreira da Silva
Advogado criminal na década de 1960
Em seguida, apontando a coerência entre os depoimentos do réu Higesipo e da testemunha ocular Anisio Silvio dos Rêis, o Doutor Odilon descreveu a sequência do crime, demonstrando para os jurados a importância da legítima defesa possibilitada pelo revólver que seu cliente Higesipo portava, pois caso não o tivesse utilizado, ele não estaria sentado no banco dos réus, e sim sob sete palmos de terra, pois o seu agressor, capaz de incentivar ao crime de assassinato o próprio filho menor de idade – Osvaldo, então com 17 anos – estava decidido a matá-lo. Tanto é que, vendo frustrado o plano de abater Higesipo com a porretada, para em seguida assassiná-lo com a foicinha, porque a vítima negou-se a entregá-la ao seu filho maior de idade – Nelson –, Modesto tentou abatê-lo com um tiro certeiro de espingarda, que só não o atingiu, porque a vítima se jogou no chão. E o Doutor Odilon demonstrou ainda que, valendo-se de uma ação de má fé para se fazer de vítima, o agressor de Higesipo, orientado por seu advogado, entregou uma outra espingarda à polícia, de curto alcance, velha e com o cano estourado, ou seja, escondeu a espingarda utilizada no disparo contra sua vítima. E explicou aos jurados que essa manipulação ficou evidenciada, quando o advogado de defesa de Modesto Rodrigues se recusou, terminantemente, a fazer a perícia técnica na espingarda entregue à polícia e anexada aos autos (e mostrou a arma aos jurados), exatamente, porque tal exame revelaria que um tiro disparado por ela jamais seria capaz de alcançar alguém na distância em que se encontrava Higesipo. Portanto, aquela não era a arma utilizada no crime.
E para atestar a ameaça que Modesto Rodrigues e seus dois filhos representavam, no momento do crime, para a vida de Higesipo, o Doutor Odilon relatou aos jurados os antecedentes criminais do agressor e de seus irmãos João Rodrigues – que se matou após tentar matar, a facadas, um funcionário da SAMSA, que sobreviveu, mas ficou inutilizado para o trabalho; Valeriano Rodrigues – que foi assassinado por um tal Baiano, numa briga ocorrida no lugarejo “Buraco do Pinto”, na qual Modesto e Antônio também estavam envolvidos, tendo Modesto atirado e sido atingido por um tiro de Baiano; e Antônio Rodrigues – que após matar a esposa a navalhadas, atentou inutilmente contra a própria vida, cortando o seu corpo, pois mantendo-se vivo para ameaçar Higesipo de morte, por causa da pendenga das divisas, avisando que se fosse preciso ia correr sangue. Destacou as ameaças de morte feitas por Antônio Rodrigues a Higesipo, as ameaças de morte feitas por Modesto a Higesipo, Raimundo Talico e Raimundo Anatalino Ferreira, diretamente a este último, dentre outras ameaças feitas em forma de recados enviados aos ameaçados.
Por último, apelando para a sensibilidade dos jurados, o Dr. Odilon ressaltou a integridade moral, a retidão de caráter, a hombridade, a honestidade, a boa reputação da qual Higesipo sempre gozou na sociedade riocimense, conforme provam as cento e sessenta e cinco visitas recebidas por ele na prisão (mostrou as listas de assinaturas), e os serviços prestados por ele àquela comunidade, como cidadão e político. Ressaltando a injustiça e o erro judicial cometido contra Higesipo, louvou o homem honesto, trabalhador e o honrado chefe de família pai de dez filhos, e pediu aos jurados que fizessem justiça, concedendo-lhe a merecida absolvição.
Fato curioso a ser lembrado, é que o Doutor Odilon, no seu empenho de sensibilizar os jurados para o sofrimento de Higesipo, ao invés de relatar que o mesmo tinha sido impedido de comparecer ao sepultamento de seu pai, falecido dois dias após ter sido preso, ou seja, em 9 de abril de 1965, confundiu-se em relação a este problema familiar, e relatou que Higesipo não pôde estar presente ao nascimento de seu filho caçula (então com seis anos), por estar preso injustamente, o que surpreendeu os familiares de Higesipo presentes ao julgamento.
Relação dos quesitos votados pelos jurados
Julgamento de Higesipo – 30 mar. 1966
“Ultimados os debates, o MM. Juiz Presidente do Tribunal do Juri indagou dos jurados do Conselho se estavam suficientemente instruidos para o julgamento e, recebendo resposta afirmativa, passou a formular os quesitos que leu em vóz alta, explicando o significado legal de cada um. Não havendo requerimento nem reclamação das partes, anunciou o Dr. Presidente que se ia proceder o julgamento do réu. Fêz retirar o réu e convidou os presentes a deixarem a sala. Fechadas as portas, o Consêlho, sob a Presidência do Juiz, assistido do Escrivão do Crime que êste faz, servindo de secretário, do Dr. Saad Bedran Promotor de Justiça da comarca e do Dr. Odilon Ferreira da Silva, advogado e defensor do réu, que se conservavam em seus lugares, sem intervirem nas votações e de dois Oficiais de Justiça, passou o Conselho da Sentença a votar os quesitos que lhe foram propostos, observada a completa incomunicabilidade dos mesmos” (Processo 254 – A, de 23 de março de 1965, à fls. 242).
Na sala contígua, sozinho com os policiais que me escoltavam, vivi a maior angústia de toda a minha vida. Foi como se, de repente, tudo desaparecesse, pois eu só ouvia o meu coração batendo aceleradamente no ritmo desesperado do meu medo de ser injustiçado com uma condenação. Não conseguia mais rezar nem pensar com clareza, pois encontrava-me mentalmente esgotado e sem força para reagir ao abatimento que tomou conta de mim. Recordo-me de não enxergar nada em redor. Eu me senti totalmente desamparado. A minha vida parecia extinguir-se naquele momento de agonia.
Sobre os quesitos, assim os especificou o MM. Juiz: I – “O réu Higesipo Augusto de Brito, na manhã do dia 4 de abril, do ano de mil novecentos e sessenta e quatro (1964), no município de Rio Acima, no lugar conhecido por “Mingu”, desta comarca, fêz, com arma de fogo, dois (2) disparos contra a pessoa de Modesto Rodrigues, os quais não atingiram a pessoa da vítima? II – Que, com a prática do dito ato, iniciou o réu a execução do crime de homicídio contra a pessoa da vítima, o qual não se consumou por circunstâncias independentes da vontade do mesmo réu? III – O réu praticou o fato em defesa própria? IV – O réu defendeu-se de agressão injusta? V – Essa agressão era atual? VI – Essa agressão era iminente? VII – Os meios usados pelo réu, para repelir a agressão eram necessários? VIII – O réu usou dêsses meios moderadamente? IX – O réu excedeu, culposamente, os limites da defesa própria? X – Existem circunstâncias atenuantes a favor do réu? Quais? Sala de Sessões do Tribunal do Juri, em Nova Lima, aos trinta (30) dias de março de mil novecentos e sessenta e seis (1966). O JUIZ DE DIREITO” (Processo 254 – A, de 23 de março de 1965, à fl. 241).
Depois de cientificar os Jurados de que poderiam, antes e durante a votação, consultar os autos ou examinar qualquer outro elemento de prova que tivesse sido apresentado em Juizo e constasse dos mesmos autos e mandar distribuir, pelos mesmos Jurados, pequenas cédulas de papél opaco e fàcilmente dobráveis, contendo umas a palavra “SIM” e outras a palavra “NÃO”, a fim de, secretamente, serem recolhidos os votos, declarou que ia proceder a votação. Distribuidas as cédulas, o Dr. Juiz Presidente lia o quesito, mandando um Oficial de Justiça receber os votos dos Jurados, que os colocavam numa urna que lhes era apresentada, recebendo outro Oficial de Justiça, de igual maneira, as cédulas não utilizadas. Após a votacão do quesito, o Dr. Juiz Presidente verificando os votos e as cédulas não utilizadas, mandava escrever o resultado, declarando o número de votos afirmativos e negativos. As decisões do Juri foram tomadas por maioria de votos (Processo 254 – A, de 23 de março de 1965, à fl. 242).
Finda a votação, verificou-se que o Juri respondeu aos quesitos pela maneira seguinte: 1° quesito – RESPOSTA: “SIM”, por sete (7) votos, “NÃO”, por zero. 2° quesito: RESPOSTA: “SIM”, por sete (7 votos), “NÃO”, por zero. 3° quesito: RESPOSTA: “SIM”, por cinco (5) votos, “NÃO”, por zero. 4° quesito: RESPOSTA: “SIM”, por cinco (5) votos, “NÃO”, por dois (2) votos. 5° quesito: RESPOSTA: “SIM”, por cinco (5) votos, “NÃO”, por dois (2). Com a resposta dada ao quinto quesito ficou prejudicado o sexto quesito. 7° quesito: RESPOSTA: “SIM”, por cinco (5) votos, “NÃO”, por dois (2). 8° quesito: RESPOSTA: “SIM”, por cinco (5) votos, “NÃO”, por dois (2). Com a resposta dada ao oitavo quesito, ficaram prejudicados o 9° e o 10° quesitos. […] Nada mais havendo, mandou o MM. Juiz encerrar êste têrmo, que vai devidamente assinado pelo Dr. Presidente do Tribunal, pelos Jurados do Conselho e pelas partes. Eu José da Cruz Lacerda Neto, Escrivão do Crime, datilografei e subscrevi (Processo 254 – A, de 23 de março de 1965, à fl. 242).
Sentença Judicial proferida pelo MM. Juiz
Julgamento de Higesipo – 30 mar. 1966
A seguir, autorizando o retorno do réu e do público presente, o Dr. Presidente do Júri passou à leitura da setença: “O Juri respondeu afirmativamente o 1° e o 2° quesitos, por sete (7) votos contra zero (0) e afirmativamente, por cinco (5) votos contra (2) votos, todos os quesitos da defesa própria, ficando, por isso prejudicados os 6°, 9° e 10° quesitos. Atendendo as respostas dadas, absolvo o réu Higesipo Augusto de Brito da imputação que lhe é feita, face a maioria de votos e mando se dê baixa no seu nome no ról dos culpados e seja o mesmo pôsto em liberdade, logo após o decurso do prazo legal para recurso. Custas, pelo Estado. Dou esta publicada e intimadas as partes. Registre-se. Sala das Sessões do Tribunal do Juri, em Nova Lima, em 30 de março de 1966. O JUIZ DE DIREITO” (Processo 254 – A, de 23 de março de 1965, à fl. 243).
Britinho e Stela – No oratório da rodovia MG-262
Belo Horizonte – Ouro Preto – 1965
Naquele momento, sentindo-me confuso com as palavras ditas pelo MM. Juiz, como que custando a acreditar que o pesadelo tinha chegado ao fim, talvez em razão do esgotamento nervoso em que me encontrava, verti um pranto de alívio e alegria, que foi dividido com a minha amada esposa Maria e meus amados filhos Britinho, Stela e Humberto, e com todos os meus irmãos e cunhados, que se revezavam nos abraços à minha pessoa e aos advogados Doutor Odilon e Doutor Marino. Todos muito emocionados e aliviados com a minha absolvição, que apenas retratava a Justiça se sobrepondo à injustiça daquele processo espúrio.
Só que eu me enganara. O pesadelo não tinha chegado ao fim. E só percebi isto ao ser devolvido à prisão. É que insatisfeito com o meu sofrimento, mesmo diante da certificação da minha inocência pela absolvição, o MM. Juiz continuou tratando-me como um criminoso, mantendo-me prisioneiro até vencer o prazo do recurso. Afinal, o julgamento de Modesto Rodrigues ainda estava pendente, e especialmente no caso de uma merecida condenação do meu agressor, seria de interesse do Ministério Público e dos meus inimigos políticos pedir a anulação do meu julgamento, prosseguindo, desta maneira, na sanha de destruir a minha vida. Por isso, mesmo absolvido, não me senti tranquilo, tendo sofrido muito naqueles cinco dias à espera de um possível recurso. Nem mesmo depois de ser informado, pelo Doutor Odilon, sobre a injusta absolvição de Modesto Rodrigues, pude relaxar. A minha dolorosa angústia só teve um fim definitivo, quando fui posto em liberdade.
No dia 5 de abril de 1966, o Escrivão do Crime expediu esta certidão: “Certifico e dou fé que, decorrido em Cartório, o prazo legal de recurso contra a decisão do Tribunal do Juri, em sessão realizada dia 30 de março p. passado, expedí, hoje, o alvará de soltura do acusado HIGESIPO AUGUSTO DE BRITO, em cumprimento ao despacho do MM. Juiz de Direito, de folhas 243, do processo. O referido é verdade. Nova Lima, 5 de abril de 1966. O Escrivão, José da Cruz Lacerda Neto” (Processo 254 – A, de 23 de março de 1965, à fl. 242).
Alvará de soltura expedido pelo MM. Juiz
Julgamento de Higesipo – 5 abr. 1966
Sobre o julgamento de Modesto Rodrigues, ocorrido em 1º e abril de 1966, pelo que se apreende ao exame minucioso dos autos, tem-se que a mesma manipulação intencional empreendida pelo Delegado de Polícia de Rio Acima, no âmbito do Inquérito Policial (para que o agressor Modesto figurasse como vítima, no papel de queixoso, e a vítima Higesipo figurasse como agressor, no papel de denunciado), ocorreu no âmbito do Processo Penal, porém, quando da definição, pelo MM. Juiz, das “Testemunhas do Libelo” e das “Testemunhas da Contrariedade” para o referido julgamento, conforme provam os autos (Processo 254 – A, de 23 de março de 1965, à fl. 244), e neste caso, visando garantir a absolvição literal do meu agressor.
Vamos à análise deste fato específico: em 25 de março de 1966, o MM. Juiz valeu-se do critério “dois pesos duas medidas” na escolha das “Testemunhas do Libelo” para o julgamento de Modesto Rodrigues. Isto porque, em relação ao julgamento de Higesipo, o MM. Juiz expediu intimação para essas “Testemunhas do Libelo”, por ele eleitas: 1 – Raimundo Cardoso de Oliveira; 2 – Raimundo Félix dos Santos – duas testemunhas que acusaram Higesipo e defenderam Modesto em seus depoimentos na polícia e em Juízo; 3 – Antônio Agostinho da Silva, que em seu depoimento na instrução processual, em dado momento, equivocando-se em razão de um natural esquecimento oriundo do longo tempo passado, prejudicou Higesipo sobre a assinatura, no campo, do tal documento do acordo feito com Modesto, atestando que o documento apresentado por ele ao Delegado de Polícia não era o mesmo assinado no campo (erro que ele corrigiu no julgamento deste relator, esclarecendo seu equívoco). Constata-se, pois, até este nome, uma lógica no rol de testemunhas de acusação a Higesipo. Quanto à testemunha de acusação 4 – Constantino Eliziário Magalhães, a sua inclusão nesse rol teve a finalidade de confundir os jurados e prejudicar Higesipo, haja vista que, em seu depoimento na fase de Instrução Processual, a testemunha o defendeu. Por isso, ela também foi indicada pelo Doutor Odilon como “Testemunha da Contrariedade”, ou seja de defesa, junto com Anisio Silvio dos Rêis e Francisco de Morais Campos Júnior.
Já no caso do julgamento de Modesto Rodrigues, o MM. Juiz agiu de forma contrária ao julgamento de Higesipo, quando convocou como “Testemunhas do Libelo”, ou seja de acusação: 1 – Raimundo Cardoso de Oliveira; 2 – Raimundo Félix dos Santos – as duas, testemunhas de defesa do réu, haja vista terem sido testemunhas de acusação de Higesipo (o que eles iam falar contra o réu Modesto, a não ser defendê-lo da acusação de tentativa de homicídio contra Higesipo?); 3 – Antônio Agostinho da Silva – neste caso, uma testemunha que não prejudicaria Modesto; e 4 – Anisio Silvio dos Rêis – neste caso, realmente, uma testemunha de acusação do réu. A única, efetivamente.
Em vista dessa incoerência, há que se perguntar: por que no caso de Higesipo, o MM. Juiz deixou de fora do rol das “Testemunhas do Libelo” Anisio Silvio dos Rêis – testemunha de vista que defendeu Higesipo, e no caso do Modesto incluiu no mesmo rol Raimundo Cardoso de Oliveira e Raimundo Felix dos Santos – ditas testemunhas de vista que defenderam Modesto? A resposta é óbvia: porque a falsidade do testemunho desses dois foi revelada pela perícia fotográfica avalizada pelo perito judicial, comprometendo a participação dos mesmos no Processo Penal, e gerando, consequentemente, uma situação altamente desfavorável ao réu Modesto Rodrigues. Portanto, tal estratégia foi calculadamente estabelecida pelo defensor Acácio Paulino de Paiva (que orientava Modesto e os outros proprietários invasores das terras da SAMSA a destruírem os marcos da divisa colocados por Higesipo por determinacão judicial) e, lógico, avalizada MM. Juiz, com o intuito de beneficiar meu agressor Modesto Rodrigues.
Documento com o rol das novas testemunhas de defesa de
Modesto Rodrigues para seu julgamento – 25 mar. 1966.
(Processo 254 – A, de 23 de março de 1965, à fl. 208)
Esta é a razão do referido advogado ter arranjado, de última hora, para compor o teatro que foi esse Processo Penal, estas duas “Testemunhas de Contrariedade” – os então Presidente e Secretário da Câmara Municipal de Rio Acima (1966) – João Araújo Martins e José Júlio Gouvêa – que nada tinham a ver com o crime, razão pela qual não foram citados para depor pelo Delegado de Polícia de Rio Acima, na fase do Inquérito Policial, nem pelo advogado de Modesto Rodrigues, Acácio Paulino de Paiva, e pelo MM. Juiz, no decurso da Instrução Processual. Sim. Esses dois inimigos declarados deste relator não tinham absolutamente nada a ver com o crime de tentativa de homicídio levado a cabo por Modesto Rodrigues contra a minha pessoa, por ter o mesmo ocorrido no meu espaço de trabalho como empregado da Metalúrgica Santo Antônio, razão pela qual deveriam ter sido recusados, como testemunhas de defesa do meu agressor, pelo Promotor Saad Bedran.
Mandado de Citação das Testemunhas
Julgamento de Modesto Rodrigues – 25 mar. 1966
(Processo 254 – A, de 23 de março de 1965, à fl. 244)
Contrariamente, porém, tinham tudo a ver com a implacável perseguição – constituída dos criminosos ardis aqui relatados, testemunhados por várias autoridades e cidadãos rioacimenses à época – empreendida de forma calculada, sistemática e ininterrrupta, pois até pouco antes do julgamento (como as frustradas tentativas de comprar as minhas testemunhas de defesa e a denúncia policial de uma inexistente agressão feita pelo prefeito da cidade contra este relator), visando destruir a minha vida e de meus familiares, perseguição esta iniciada com a inversão dos fatos a partir do Inquérito Policial, premiada com a instauração do injusto e assedioso Processo Penal contra esta vítima, e culminada, nos anos que se seguiram, com ações políticas contra algumas de minhas filhas, visando prejudicá-las no exercício profissional do magistério.
Com esta manobra espúria de testemunhar em favor do meu agressor no seu julgamento, esses dois políticos passaram um atestado público de liderança e participação ativa e persistente na perseguição de cunho político movida contra este relator, aproveitando-se da tentativa de homicídio sofrida por mim em situação de trabalho. E agiram a partir de uma nefasta influência sobre o Delegado de Polícia de Rio Acima, para que se valesse da inversão dos fatos no Inquérito Policial, com o objetivo inconteste de transformar-me em criminoso, visando destruir, desta forma, a minha reputação moral, a minha vida, e por extensão, a vida da minha esposa e filhos. Como é possível constatar neste meu relato (a partir do Cap. X até este Cap. XIV), esses meus adversários políticos e inimigos pessoais realizaram um intenso trabalho neste sentido, por meio de ações que quase levaram-me ao desespero de por fim à minha própria vida. Uma perseguição implacável arrematada no Tribunal do Júri do Fórum Augusto de Lima, com seus depoimentos de desmoralização da minha honrada pessoa, para favorecer o verdadeiro criminoso, conforme informado a este relator pela testemunha Anisio Silvio dos Rêis, presente ao julgamento de Modesto Rodrigues.
Depoimento de Modesto Rodrigues
Julgamento – 1 abr. 1966
A proteção judicial a Modesto Rodrigues salta dos autos do processo. Estranhamente, o único depoimento relativo ao julgamento do meu agressor, nele anexado, é o do réu, tendo sido estrategicamente excluídos dos autos os depoimentos de todas as testemunhas: Raimundo Cardoso de Oliveira, Anisio Silvio dos Rêis, Antônio Agostinho da Silva, João Araújo Martins e José Júlio Gouvêa. O depoimento de Raimundo Felix dos Santos não consta dos autos, porque o mesmo não foi encontrado para ser formalmente citado, deixando de participar, também, desse julgamento. Há que se perguntar: por que os depoimentos das testemunhas foram retirados dos autos?
Depoimento de Modesto Rodrigues
Julgamento – 1 abr. 1966
Neste sentido, vale o registro, com o merecido destaque, de uma confissão de culpa feita por Modesto Rodrigues em seu julgamento, que vêm corroborar os questionamentos deste relator, pelo fato da mesma conduzir à certeza da manipulação do Processo Penal, com o fim de proteger meu agressor, a saber: em determinado ponto do interrogatório feito pelo MM. Juiz, Modesto Rodrigues confirma, de forma incontestável, a acusação do Doutor Odilon, advogado de defesa deste relator, de que enganou a Justiça, ao deixar de entregar à polícia a arma usada no crime, pois entregando, em seu lugar, uma espingarda velha com o cano estourado e de baixa potência, cujo disparo jamais teria condição de atingir a vítima. Razão pela qual seu advogado negou-se a periciá-la, porque tal procedimento técnico revelaria que seu cliente mentira em Juízo, quando confirmou que aquela era a arma com a qual dera o tiro em Higesipo. Confessando a mentira, assim se justificou o meu agressor: “Ao lhe ser apresentada a arma apreendida e que acompanhou o processo, constante de uma espingarda, com o cano arrebentado junto ao cão e perguntado se esta foi objeto do crime, isto é, se foi a arma com a qual êle deu o tiro, respondeu o interrogado: “Não tenho bem certeza não”; que a espingarda que lhe é apresentada é dêle, interrogado, mas não tem certeza se deu o tiro com ela; que sabe que deu o tiro com uma espingarda; que o declarante não tem mais espingardas em casa, só tinha esta que lhe é apresentada; que os fatos narrados na denúncia que lhe foi lida, são todos verdadeiros; que não tinha intenção de prejudicar Higesipo em ponto nenhum; isto respondendo à pergunta, porque havia atirado; […] que foi a primeira vêz que teve questão com Higesipo; que o tiro foi dado para cima” (Processo 254 – A, de 23 de março de 1965, à fl. 242).
Desta forma, favorecido por um processo e julgamento manipulados em seu favor, em 1º de abril de 1966, Modesto Rodrigues foi absolvido, por seis votos a um, pelos réus Aurélio de Brito, Roberto Martins Gaviolli, José Bento Pinto Júnior (Raposos), Olimpio Silvestre Leôncio, Manoel Raimundo de Almeida Neto, João Duarte Nunes, Lincoln Perez dos Santos. Desses, quatro fizeram parte do Conselho de Jurados no julgamento de Higesipo: Roberto Martins Gaviolli, José Bento Pinto Júnior (Raposos), Manoel Raimundo de Almeida Neto e Lincoln Perez dos Santos. No dia 7 de abril Modesto foi colocado em liberdade, e jamais sofreu qualquer punição por ter mentido em Juízo.
Formando Francisquinho dançando a valsa com Leila
Clube Rioacimense – Rio Acima – Dez. 1966
Francisquinho e convidados no baile de formatura – Direita/Esquerda:
Humberto, primo Roberto, Leila, prima Neusa, Edson (filho do José Egídio Oliveira)
e primo José Eustáquio – Clube Rioacimense – Rio Acima – Dez. 1966
Quanto a este relator, após a libertação em 5 de abril de 1966, minha vida sofreu um giro de trezentos e sessenta graus, conforme passo a relatar na sequência. Antes disso, porém, registro as alegrias vividas após o fim da minha via crucis, quando, primeiramente, volto a Nova Lima, mas desta vez, para uma ansiada festa:a colação de grau, em dezembro de 1966, da Professora Leila (aos 18 anos), no curso de Magistério do Liceu Imaculada Conceição, em Nova Lima, com entrega do certificado no Teatro Municipal Manuel Franzen de Lima. E em seguida, participo das formaturas do Francisquinho (aos 16 anos) no Ginásio Américo Giannetti, e da Guida (aos 11 anos) no Grupo Escolar Honorina Giannetti, em Rio Acima. Momentos de felicidade, que mostraram-me o quanto foi importante eu ter vencido a longa e dura batalha para provar a minha inocência, reconquistando minha liberdade e paz de espírito, para voltar a ser feliz ao lado de minha esposa e filhos.
HIGESIPO BRITO
Rio Acima, SET 1995.
A narrativa do autor prossegue em próxima postagem.
Referência:
BRITO, Higesipo Augusto de. As memórias de um menino, de um rapaz, de um homem [Rio Acima, set. 1995.17 f. Mimeografado]. Chá.com Letras, ago./set./out., 2013. Disponível em: <www.chacomletras.com.br>.
Coautoria Cap. XIV
Leila Brito
Revisão, pesquisa de imagens e edição:
Leila Brito
Edição fotográfica:
Leopoldo Rezende
Ilustração:
Foto 1 – Higesipo e Leila – Colação de Grau do Magistério – Liceu Imaculada Conceição – Nova Lima – Dez. 1966 – Foto de autor desconhecido.
Foto 2 – Desembargador Odilon Ferreira da Silva – Advogado criminal em 1965/1966 – Foto de autor desconhecido – Disponível em: <http://www8.tjmg.jus.br/institucional/desembargadores/des_apos/ odilon_ferreira_silva.html>.
Foto 3 – Relação dos quesitos votados pelos jurados – Julgamento de Higesipo – 30 mar. 1966 – Processo 254 – A, de 23 de março de 1965, à fl. 241.
Foto 4 – Sentença Judicial proferida pelo MM. Juiz Julgamento de Higesipo – 30 mar. 1966 – Processo 254 – A, de 23 de março de 1965, à fl. 243.
Foto 5 – Britinho e Stela – No oratório na rodovia Belo Horizonte – Ouro Preto – 1965. Foto de autor desconhecido.
Foto 6 – Alvará de soltura expedido pelo MM. Juiz Julgamento de Higesipo – 5 abr. 1966 – Processo 254 – A, de 23 de março de 1965, à fl. 252.
Foto 7 – Documento com o rol das novas testemunhas de defesa de Modesto Rodrigues para seu julgamento – 25 mar. 1966 –
Processo 254 – A, de 23 de março de 1965, à fl. 208.
Foto 8 – Mandado de Citação Testemunhas – Julgamento de Modesto Rodrigues – 25 mar. 1966 – Processo 254 – A, de 23 de março de 1965, à fl. 244.
Foto 9 – Depoimento de Modesto Rodrigues Julgamento – 1 abr. 1966 – Processo 254 – A, de 23 de março de 1965, à fl. 246, frente.
Foto 10 – Depoimento de Modesto Rodrigues Julgamento – 1 abr. 1966 – Processo 254 – A, de 23 de março de 1965, à fl. 246, verso.
Foto 11 – Formando Francisquinho dançando a valsa com Leila – Clube Rioacimense – Dez. 1966 – Foto de José Garcia.
Foto 12 – Formando Francisquinho com os convidados, direita/esquerda: primo José Eustáquio de Brito Santos, amigo Edson Gonçalves de Oliveira (filho de José Egídio de Oliveira), prima Neuza Maria de Brito, Leila, primo Roberto Brito e Humberto Clube Rioacimense – Dez. 1966 – Foto de José Garcia.
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