Ēros – Philia – Agapé (Inspirado na teoria de Comte-Sponville)
LEILA BRITO
Em sua consagrada obra filosófica Petit Traité des Grandes Vertus (1995)– Pequeno Tratado das Grandes Virtudes, editado no Brasil pela Martins Fontes, o contemporâneo filósofo humanista André Comte-Sponville filosofa sobre as dezoito virtudes que devem ser perseguidas pelo homem para alcançar a sabedoria: polidez, fidelidade, prudência, temperança, coragem, justiça, generosidade, compaixão, misericórdia, gratidão, humildade, simplicidade, tolerância, pureza, doçura, boa-fé, humor e Amor, defendendo, em relação a esta última, uma interessante e vigorosa tese, uma vez que elucidadora do seu pleno entendimento, pois classificando-a em três sentimentos ao mesmo tempo iguais (na acepção) e distintos (na essência).
Mas, afinal, quais são os tipos de Amor, na visão do filósofo francês, e qual a essência de cada um deles? Partindo do que se pode considerar o amor mais interessado para o amor mais desinteressado, tem-se: Ēros, Philia e Agapé.
ĒROS – Amor-Paixão – é ancorado no desejo erótico, ou seja, no desejo de posse do outro que desperta tal sentimento. O amor de um homem por uma mulher e vice-versa, ou de uma pessoa por outra do mesmo sexo, que se desejam fisicamente no sentido de fusão amorosa, ou seja, que se desejam eroticamente: “não amamos o que queremos, mas o que desejamos, mas o que amamos e que não escolhemos”, filosofa Comte-Sponville. Pelo seu traço egoísta, pode-se considerar Ēros o amor menos evoluído, uma vez que regido pelo desejo de posse do outro e, até, pela exigência dessa posse (veja o caso dos crimes passionais, justificados pelo sentimento de posse do corpo do outro, e pode-se mensurar a extensão do egoísmo de Ēros). Mas a despeito dessa limitação moral, Ēros tem sua pureza, beleza e nobreza, por ser Amor essencial à fecundação da vida e o responsável pela perpetuação da espécie humana – razão pela qual a Mitologia o consagrou como “divindade”. Trata-se, certamente, do Amor mais forte e mais intenso em relação ao poder de renúncia do ego, por ditar a entrega plena de um ser humano a outro, pois trata-se da doação de sua essência física e afetiva conjugadas, o que, por outro lado, o torna o sentimento mais conflitante jamais sentido pelo homem, por obrigá-lo a renunciar ao amor-próprio por amor ao outro. Trata-se, pois, de doação absoluta ao outro – por isso Ēros é AMOR. Assim, em Ēros, estamos sempre divididos entre o Eu e o Outro. Porém, belo como a simbologia que o representa, Ēros nos compensa com o dom e a graça de nos fazer levitar em corpo (sentidos) e alma (sentimento).
Há que se fazer, pois, uma observação muito importante: por ser Amor, Ēros jamais pode ser confundido com sexo pelo sexo (absolutamente instintivo) e pornografia (vulgarização do sexo). Daí, que o vocábulo “erótico” é indevido para classificar objetos, textos e audiovisuais de conteúdo puramente sexual-pornográfico. Atente-se para o siginificado da palavra “erótico”, inegavelmente derivada de Ēros – Deus do AMOR. Daí, também a diferença entre fazer sexo e “fazer amor”.
PHILIA – Amor-Amizade – é ancorado em afeto totalmente desprovido de desejo erótico; afeto que não implica em posse física do outro. O amor que se nutre pela mãe, pelo pai, pelos filhos, pelos avós, irmãos, parentes próximos, amigos, e o que se recebe em troca. Nas palavras de Comte-Sponville: “Não fazemos filhos para possuí-los, para guardá-los. Nós os fazemos para que partam, para que nos deixem, para que amem alhures e de outro modo, para que façam filhos que, por sua vez, os deixarão, para que tudo morra, para que tudo viva, para que tudo continue…”. É um Amor mais puro que Ēros, no sentido do desinteresse pela posse do corpo do outro, porém, apresentando, também, um traço de egoísmo – a exigência de reciprocidade. Veja bem, quem não “exige” ser amado pela própria mãe, pelo pai e pelos filhos? Naturalmente que todos, indistintamente, querem e intimamente exigem tal retribuição. O mesmo ocorre com um amigo, que se não corresponde à lealdade que recebe, perderá o amor-philia do outro. Portanto, PHILIA é mais evoluído que ĒROS, mas ainda não é o Amor mais puro e perfeito.
AGAPÉ – Amor-Caridade – é destituído de desejo erótico, por isso, de todo e qualquer sentimento de posse e de exigência de retribuição. Trata-se do Amor que nutrimos por pessoas que nem mesmo conhecemos (um mendigo que vemos na rua, um desabrigado das chuvas, as vítimas das guerras…), que não fazem parte da nossa família, do nosso meio social, mas que mobilizam nossa sensibilidade, nossa solidariedade, nossa caridade. É o Amor mais evoluído, pelo seu caráter absolutamente altruísta. A pessoa se posta, no cerne dele, totalmente desinteressada. Nas palavras de Weil: “Amar um estranho como a si mesmo, é amar a si mesmo como a um estranho”. O que deve ser visto como positivo, pois no entendimento de Comte-Sponville: “o eu só é odiável porque não sabe amar – e se amar – como deveria”. Desta forma, sendo AGAPÉ o Amor mais puro, no sentido maior do AMOR em si, como sentimento, pode ser tido como o Amor verdadeiramente virtuoso.
Considerando esta providencial e elucidativa categorização do Amor por Comte-Sponville, o que se pode fazer para tornar ĒROS realmente divino no plano vivencial, é exercer, concomitantemente, o Amor-Philia – ao compreender e ajudar o outro em suas dúvidas, incertezas e angústias na vivência do relacionamento, e o Amor Agapé – ao exercer a caridade em relação ao outro, ante suas reações ditadas pelo egoísmo próprio de Ēros – esse Amor que nos une ao outro com mais força de poder, e que nos faz exercer a nossa fraqueza humana mais ameaçadora: a possessividade, neste caso, inevitável. No entendimento de Comte-Sponville: “ēros e philia se misturam, quase sempre, e é isso que chamamos um casal com uma história de amor. Simplesmente, ēros se desgasta à medida que é satisfeito, ou antes (porque o corpo tem suas exigências e seus limites), ēros só renasce para de novo morrer, depois renascer, depois morrer, mas com cada vez menos violência, cada vez menos paixão, cada vez menos falta (cada vez menos ēros, o que não quer dizer menos potência); ao passo que philia, ao contrário, num casal feliz, não cessa de se fortalecer, de se aprofundar, de se expandir, e é ótimo que seja assim”.
No meu entendimento, tão importante quanto sentir e vivenciar o Amor, é saber identificar o tipo de amor sentido, o que somente é possibilitado pelo conhecimento profundo de suas conformações e delimitações.
LEILA BRITO
Belo Horizonte, 7 NOV 2009.
Escultura:
Amore e Psiche – de Antonio Canova (1757-1822)
Foto (Museu do Louvre):
Leila Brito
Referência:
BRITO, Leila. Ēros – Philila – Agapé: Inspirado na teoria de André Comte-Sponville. Chá.com Letras. Belo Horizonte, 7 nov. 2009. Disponível em: <www.chacomletras.combr>. Acesso em: dia mês ano (ex.: 2 de dez. 2009).
Oi Leila!
Muito me identifico com as ideias de Sponville e sempre achei bem lúcida e didática essa categorização do Amor.
Mas, filosofias à parte, a meu ver, “só estamos verdadeiramente felizes , quando apaixonados e correspondidos”.
O que importa é “que seja infinito enquanto dure”.
Um abraço!
O amor deveria ter somente um tipo. Um tipo que fosse simplesmente verdadeiro.
Cara Leila, quando filosofamos sobre o amor, sempre projetamos o ideal,o que deveria ser,o que sonhamos….mas…….como alimentar este amor em Eros se o nosso proprio corpo tem seus limites ,os hormonios prazo de validade,se a convivencia desgasta a relacao e o encantamento a medida que o outro vai desvendando os teus misterios as tuas virtudes ,os teus defeitos, se apossando nao só do teu corpo mas da tua intimidade, da tua vida, eros, saciado, de saco cheio, vai morrendo lentamente,bizarramente aos teus pés. Isto para mim ‘nao é decepcionante, super humano. Agora, vejo tambem, que nesta caminhada com Eros,depois de recolhido os despojos,o que sobrou,cabe a voce decidir se vale a pena continuar sem ele ,em outro patamar.Enfim leila, acho que o amor em Eros,assim como os hormonios tem prazo de validade. O que causa dor é quando a morte de Eros se dar apenas em uma das partes e a outra continua pulsando sem ter ressonancia.O ideal seria que os dois enterrassem Eros com alegria…….Olha, esta é apenas uma opiniao sincera, nunca li o Comte -Sponville porisso nao tenho embasamento para debate-lo.Mas este Chá com Letras está uma delicia
Entre homem e mulher, acho que, são todos ao mesmo tempo agora. Tenho certeza que, ao casar, nutria um Amor do tipo Eros, que, 10 anos depois, parecia-se com Philia e, hoje, se debate para que não chegue ao Agapé. Mas a natureza é sábia ao manter, bem guardados em nossa memória, os momentos vividos naqueles Amores tipo Eros. São as lembranças mais claras.
Sponville filosofa sobre as dezoito virtudes que devem ser perseguidas pelo homem, para alcançar a sabedoria; concordo , porque a sabedoria é a resposta do porque? que passa a ser o
conhecimento da verdade.
Entrevista do filósofo André Comte-Sponville na edição da revista “Cult”
Antes da entrevista, propriamente dita, há uma série de informações sobre o filósofo. Está lá…
“Na contra-corrente de escritores populares que tematizam o problema da religião no mundo contemporâneo, mas que participam de uma cruzada radical e militante pelo ateísmo – figuras como Michel Onfray, Christopher Hitchens e Richard Dawkings – Comte-Sponville opta pelo meio-termo e defende o “ateísmo fiel”, uma espiritualidade forte porém contrária à idéia transcendente de Deus, uma espiritualidade guiada apenas pelas virtudes e pela sabedoria da tradição filosófica cética e humanista”.
Primeiro ponto interessante, que distancia Sponville de um “fundamentalismo” ateísta, como o de Dawkins.
A introdução continua…
“Para o filósofo, o saber filosófico deveria superar a crença religiosa, inclusive em sua dimensão espiritual, o que não implica aversão à religião nem queda no niilismo.
‘A laicidade não significa ódio às religiões, ao passo que o niilismo, em seu esvaziamento ético, conduz à idolatria mercantil e à violência’, diz o pensador”.
Importante destaque sobre o não “ódio às religiões”, compreendendo que a religião é uma dimensão da sociedade e que odiá-la corresponde a odiar aquela parcela da humanidade que a vivencia.
Além disso, Sponville mostra que ateísmo não leva necessariamente ao niilismo e ao “esvaziamento ético”, como postulara Dostoievsky.
Em relação à acusação de ser um “nouveau philosophe”, autores dos anos 70 e 80 que popularizaram caricaturalmente a Filosofia, ele diz “Sou um filósofo antigo: procuro pensar à maneira dos antigos, especialmente Epicuro e Espinosa, para resolver problemas atuais”.
Na última parte da introdução, a revista destaca “sua temática principal: a renovação da espiritualidade e de uma felicidade ancorada na lucidez dos antigos”.
Como eu já afirmei, a felicidade é um dos meus assuntos filosóficos prediletos, ainda mais quando fundamentada em bases lúcidas.
Daí, portanto, uma das razões para minhas constantes idas à fonte sponvilleana. Além disso, a “renovação da espiritualidade”, como reconhecimento dessa dimensão humana – além da racionalidade e da base instintual – e como tentativa de integrar essa espiritualidade à totalidade do homem, sem que seja necessário ser um “crente cego” dentro da igreja e um “homem da razão fria” fora dela, diz Sponville.
Já dentro da entrevista, aproveitando a “ponte” com alguns Sponville comenta a crise financeira internacional, dizendo
“Quanto à crise econômica atual, ela não é a primeira nem a última. Não se trata do fim do mundo, nem do fim do capitalismo. Por mais grave que seja, a crise vai passar, até chegar a próxima.
De todo modo, essa crise confirma mais uma vez que o mercado necessita de limites externos, que os Estados são fundamentais para impor tais limites,
(que hoje chamamos de “regulações” ).
E emenda, com uma constatação real e triste “O que não passará, pelo menos nos próximos decênios, é a anunciada catástrofe ecológica…
O que também não passará, ao menos não no curto prazo, é a crise cultural, moral, espiritual do Ocidente.
Afinal, o que ainda pode oferecer ao mundo uma sociedade que não acredita em mais nada além do dinheiro e do sexo?”.
O filósofo, que flertou com o comunismo na juventude dos anos 60, fala da perspectiva de um liberal de esquerda, como se define. Ele explica o que entende por isso: “Os liberais de esquerda são os que constatam o fracasso do marxismo, sem renunciar com isso a agir pela justiça (inclusive a justiça social) e pela liberdade (inclusive a liberdade econômica)”.
Suas cotações:
—— Moralidade
“A moral só é legítima para o primeiro.
“A moralidade é somente para si, para outros, a misericórdia e o direito suficiente “.
“Ao fazer bom homem, ou mulher, que ajuda a humanidade a ser.”
“A moral começa quando somos livres: ela é essa liberdade, mesmo quando é julgada e da ordem”.
“O que devo fazer? e não: O que os outros deveriam? Isso distingue o moralismo jurídico “.
“Uma ação é boa se o princípio a que se submete pode ser erigida em lei universal.”
“Você merece o que deseja, e isso é chamado de virtude.”
“A moral começa onde nenhuma punição é possível, onde nenhuma punição é eficaz, onde nenhuma condenação, em qualquer caso externo, é necessário”.
—— O amor de sólidão:
“O segredo é que não há nenhum segredo. Nós somos filhos pouco egoísta e infeliz, cheia de medo e raiva … ”
“Você merece o que deseja, e isso é chamado de virtude.”
—— Improvisos:
“Para sair é morrer um pouco. Escrever é viver mais tempo. ”
“Toda a ansiedade é imaginário e o real é o seu antídoto.”
“A ciência – ciência qualquer – é, sem consciência ou limites.”
—— Outros:
“Precisamos de falha moral do amor”.
“Que o ciúme é uma palavra egoísta zeloso e infeliz.”
“Como é que um não tem o dinheiro? Seria o amor nada, pois o dinheiro leva a tudo.”
Nas palavras de Sponville: “Não fazemos filhos para possuí-los, para guardá-los, concordo plenamente, fazemos filhos para o mundo.
abraços,
Marilda Oliveira
Gálatas
5:22 Mas o fruto do Espírito é: amor, gozo, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fé, mansidão, temperança.
Vivemos em amaranhados de emoções, e com toda essa correria do dia-a-dia nem sempre nos damos conta dos nossos sentimentos reais. Muitas vezes confundimos nossos sentimentos. E hoje com esse mundo tão louco e tão permissivo, estamos avançando fronteiras de sentimentos , que causa a banalização, do amor, da amizade e do sexo.
Belo texto, belos comentários.
Quanto ao amor, ah esse eterno desconhecido…
Olá, Leila
Só tenho a agradecer pelo convite para conhecer seu espaço. Voltarei mais vezes para deleitar-me com seus escritos envolventes e de muito bom gosto.
Um abraço