Filosofia e ciência: manifestações de fé?
Galileu Galilei usou a indução para
formular a Lei da Queda Livre dos Corpos
FILOSOFIA E CIÊNCIA: MANIFESTAÇÕES DE FÉ?
ERIK HAAGENSEN GONTIJO
Tem gente que acha que teorias filosóficas ou científicas são apenas manifestações distintas de uma só coisa, a crença ou fé, essa mesma que se expressa de forma explícita e desavergonhada a respeito das noções religiosas, mas – o que é pior – com pretensões descabidas e “autoritárias” de objetividade e desantropomorfização.
De tal maneira que qualquer persuasão e confiança baseada nelas seria apenas e igualmente uma mera adesão subjetiva a uma elaboração mental arbitrária, sem nenhuma referência ao mundo exterior, à realidade, e sim puro capricho pessoal. Assim, e de modo idêntico, filosofia e ciência não seriam mais que objetos da reles santificação do devaneio e demais formas de idealização, tal como times de futebol.
Convenhamos: nada mais desprezível que isso.
Se alguém acha que o Sol gira em torno da Terra, seja porque crê em alguma escritura sagrada qualquer, seja porque olha para a abóboda celeste e vê o Sol “nascer” no oriente e “se pôr” no ocidente (nada melhor que ver – para crer), que vá fazer a sua crítica umbilical do heliocentrismo nos ouvidos de sua vovozinha, supondo que o amor incondicional das avós seja mesmo suficiente para aguentar a transformação do próprio ouvido em penico ideológico medieval.
Idem para qualquer outro achismo em geral: nada que tenha valor para além da idiossincrasia ou tara cultivada com esmero pelo indivíduo. Quer dizer que você acha isso ou aquilo? E eu com isso? Quero saber da coisa e não do que você fantasia a respeito dela. Me dê uma ideia que me diga algo da coisa e não de você.
Pois bem. Voltando ao assunto: tudo que é tido como “sagrado” o é sobre uma base irracional, afetiva, mítica. O que a filosofia e a ciência dizem só pode merecer adesão convicta – e qual é o problema disso, ô crítico de merda? – por sobre evidência empírica e racional. Confundir um caso com outro é abstrair essa diferença fundamental: a de que o primeiro se impõe por força da tradição e demais exercícios de poder, e o segundo por sobre discussão, crítica e, principalmente, capacidade de tradução da realidade em teoria, que dê conta e provas de corresponder às necessidades práticas em pauta.
À guisa de exemplo, lembremos que, quando determinado “questionador de mitos da ciência” diz que os cientistas apenas explicam fatos que eles mesmos apenas imaginaram (como um certo astrólogo brasileiro com presunções filosóficas por aí afirmou contra Newton), o que um indivíduo – cuja noção da ciência seja apenas mediana, o que já é bem mais que suficiente – pode e deve pôr em questão não é a elaboração teórica de Newton, e sim a aptidão cognitiva e a intenção ideológica, e inclusive moral, de tal astrólogo.
Do contrário, que tal obscurantista me explique como os projetores de foguetes elaboraram a condução de satélites para a órbita do planeta com base na idiotia da fé em uma “lei da gravidade”. Foi casual? E quem habitaria sequer a construção da mais trivial cabana, imaginando forçosamente que não haveria a probabilidade de cair-lhe o teto sobre a cabeça pela graça do arbítrio do acaso?
Nota: *Erik Haagensen Gontijo, mestre, licenciado e bacharel em Filosofia pela Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas – UFMG, defendeu dissertação intitulada “Natureza, Sociedade e Atividade Sensível na Formação do Pensamento Marxiano” sob orientação da Profa. Dra. Ester Vaisman. Professor de Filosofia no ensino superior e médio do IFMG.
Referência: HAAGENSEN, E. G. Filosofia e ciência: manifestações de fé? Chá.com Letras, 3 jun. 2015. Disponível em: <http://www.chacomletras.com.br/2015/06/filosofia-e-ciencia-manifestacoes-de-fe/>.
Ilustração: Galileu Galilei usou a indução para formular a Lei da Queda Livre dos Corpos. Disponível em: <http://filosofiacienciaevida.uol.com.br/ESFI/Edicoes/25/artigo97712-1.asp>.
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