Do livro engavetado de Carolina Pazos
NÃO SE PODE TOCAR NOS PEIXES
CAROLINA PAZOS
Meu coração quer limpar o mar. Ficar quieto nele, habitá-lo. Cacei em corpos, sonhos, cidades, um terreiro aberto para construir a casa. Cidades furam redes, coqueiros, brisa. Essas casas destroem a praia, os deuses, as tabocas. Procurei no mundo um lugar para passar a vida. Não encontrei e, em mim, ao largo, a vida passa. Meu sonho? Eu sonho coisas simples. Contemplar-me horizonte, asterismo. Ter uma casa de vigas de raios. Anseio quintais de conchas lavadas. Quero cavalos prenhos, azuis, sem montaria. Saber dos ouriços a sua febre de pontas. Difícil aplacar meu coração que nunca dorme. Fora do mar respiro mal como uma foca. Dói o sal, em mim, e o tempo, na garganta. Difícil engolir todo o salitre dessas horas. Fora do mar tenho palavras, não sou o vento. Fora do mar eu cresço e não viro ostra. Quero limpar o mar justamente por isso, quero-o largo, de águas devassáveis. Eu sou do mar, na terra apenas me perco. Fico escrava dessas noites intranquilas. Tudo é esforço, é claro, desde que rompemos o líquido primordial. Nadávamos. Toda vivência áspera como uma escama me leva à certeza de que não se pode tocar nos peixes. Dentro da carne, mais lisa que a vida, aprendi na Bahia muitas lições de barco: não se pode duvidar do efeito do ar sobre o ferro, não se pode impedir as forças do firmamento, não se pode supor a ousadia das correntes. E, sobretudo, não se pode tocar nos peixes.
Referência:
PAZOS, Carolina. Não se pode tocar nos peixes. Chá.com Letras, 2 set. 2014. (Obra no prelo).
Ilustração:
Autor desconhecido desta escritora. Disponível em: <www.violetwitch.tumblr.com>
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