“Evoé Leminski!”
PAULO LEMINSK FILHO
LEILA BRITO
O poeta “mestiço” Paulo Leminsk Filho nasceu em Curitiba, no dia 24 de agosto de 1944, sob o signo de virgem, filho de família polonesa por parte de pai – Paulo Leminsk II, de quem herdou o nome, e negra, por parte da mãe – Áurea Pereira Mendes Leminsk.
“Foi em 1963, na ‘Semana Nacional de Poesia de Vanguarda’, em Belo Horizonte, que o Paulo Leminski nos apareceu, 18 ou 19 anos, Rimbaud curitibano com físico de judoca, escandindo versos homéricos, como se fosse um discípulo zen de Bashô, o Senhor Bananeira, recém-egresso do Templo Neopitagórico do simbolista filelênico Dario Veloso” (CAMPOS, 1983).
Advindo das vanguardas, pois “considerado cria dos concretos, Leminski, na verdade, tem várias filiações literárias, o que, de certo modo, garantiu sua independência e fez dele uma presença de marca inconfundível, pessoalíssima em nossa literatura” (SÁVIO, 2013).
Caipira cabotino (como diz afetuosamente o Julinho Bressane) ou polilingüe paroquiano cósmico, como eu preferiria sintetizar numa fórmula ideogrâmica de contrastes, esse caboclo polaco-paranaense soube, muito precocemente, deglutir o pau-brasil oswaldiano e educar-se na pedra filosofal da poesia concreta (até hoje no caminho da poesia brasileira), pedra de fundação e de toque, magneto de poetas-poetas (CAMPOS, 1983).
Sempre que começava a ser rotulado, o poeta “inovava, buscava outras formas, multifacetava-se, numa atitude reveladora de sua maneira de se preservar de qualquer desgaste ou cristalização”. Mais tarde, nos anos 1980, “dizendo que os concretistas não haviam começado concretos, mas ele, sim, Leminski viu a sua criação literária inicial” (do final da década 1950 à 1970), “de modo crítico, considerando-a ‘um serviço militar prestado à poesia concreta’. Um pouco antes, numa carta a Régis Bonvicino, afirmara que os concretistas estavam certos, mas que tinham de ser lidos num modo relativo. Isso já é o Leminski autocrítico, renovando-se continuamente” (SÁVIO, 2013).
Mistura de várias raças, Leminsk pôs em prática, em sua criação literária, “esta mestiçagem de que tanto se orgulhava. Leitor insaciável, deixa transparecer em sua obra, citados, digeridos ou assimilados, muitos nomes da literatura ocidental e oriental das mais diversas épocas” (SÁVIO, 2013).
Somente a partir de 1964, o poeta teve a sua produção literária divulgada, “com a publicação dos primeiros poemas na revista Invenção, dos concretistas paulistas”. Em 1975, “o livro Catatau revelou um escritor singular, dono de uma prosa experimental e fascinante, ainda que hermética em muitas passagens, associada a Guimarães Rosa e James Joyce”. Porém, Catatau atingiu um pequeno círculo (SÁVIO, 2013).
Das primeiras invencionices ao Catatau, da poesia destabocada e lírica (mas sempre construída, sabida, de fabbro, de fazedor) ao verso verde-verdura da canção trovadoresco-popular, o Leminski vem chovendo no endomingado piquenique sobre a erva em que se converteu a neoacadêmica poesia brasileira de hoje, dividida entre institucionalizadas marginalidades plácidas e escoteiros orfeônicos, de medalhinha e braçadeira. E é bom que chova mesmo, com pedra e pau-a-pique. Evoé Leminski! (CAMPOS, 1983).
Em 1980 publica o livro de poemas Não fosse isso e era menos / Não fosse tanto e era quase e, a partir daí, dedica-se a uma intensa atividade na música, ao compor, em parcerias valiosas, músicas e/ou letras regravadas por Caetano Veloso, Cor do Som, Paulinho Boca de Cantor, Guilherme Arantes, tornando seu trabalho mais conhecido no cenário artístico nacional. A divulgação do seu nome através da música talvez tenha contribuído para a publicação de seu livro de poemas Caprichos e Relaxos, pela Editora Brasiliense, em 1983. “No mesmo ano, o lançamento da biografia do poeta japonês Bashô trouxe a público seu interesse pela cultura oriental e pelo hai kai, tipo de composição poética valorizada e apontada como exemplo pelas vanguardas, desde Ezra Pound até os concretistas brasileiros” (SÁVIO, 2013).
Em abril de 2013, sua obra, reunida no livro de 424 páginas intitulado “Toda Poesia, de Paulo Leminsk”, é publicada pela Editora Companhia das Letras. Na apresentação da obra, Alice Ruiz, poeta e companheira de Leminski por anos, valida essa vivência: “Este livro é antes de tudo uma vida inteira de poesia. Curta, é verdade, mas intensa, profícua e original”.
Sem dúvida, “vivo o poeta provocou muita chuva e povoou de ‘nascentes’ a seara da poesia brasileira”, tornando-se um dos mais importantes poetas brasileiros da segunda metade do século, e morrendo prematuramente [em 7 de junho de 1989], tal como os poetas Torquato Neto [1944-1972] e Vladmir Maiakovski [1893-1930] (ALBUQUERQUE, 2005).
Sim. “Leminsk viveu pouco, mas o suficiente para estabelecer novas perspectivas para a poesia brasileira, comunicando-se com as gerações futuras com uma linguagem espontânea e orientada, ao mesmo tempo que procurava, por vários caminhos, comunicar-se com seus pares” (ALBUQUERQUE, 2005).
LEILA BRITO
Belo Horizonte, 18 JUL 2013.
Referências
ALBUQUERQUE, Dhynarte de Borba e. Paulo Leminsk: um estudo sobre o rigor e o relaxo em suas poesias. 2005. Dissertação (Mestrado em Literatura Brasileira) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Faculdade de Letras, Porto Alegre, 2005. Disponível em: <http://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/4434/000501362.pdf?sequence=>.
CAMPOS, Haroldo de. Paulo Leminsk. In: LEMINSK, Paulo. Caprichos e relaxos. 3. ed. São Paulo: Brasiliense, 1985.
SÁVIO, Lígia. Metamorfose: o mito e as fábulas de Leminsk. Revista Literatura. 2013. Disponível em: <http://literatura.uol.com.br/literatura/figuras-linguagem/41/metamorfose-o-mito-e-as-fabulas-de-leminski-a-252590-1.asp>.
Ilustração:
Paulo Leminsk – foto de autor desconhecido desta escritora. Disponível em: <http://www.poesiaspoemaseversos.com.br/paulo-leminski-poemas/>.
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