Vídeo da Semana
Na esteira do artigo sobre o PODER em Michel Foucault, o Chá.com Letras homenageia o mito Geraldo Vandré, um dos maiores compositores brasileiros de todos os tempos, já que autor da mais conhecida música de protesto da história da Música Popular Brasileira, pois considerada um verdadeiro hino da resistência ao regime político instituído pela DitaDURA Militar (1964-1985).
Aclamado pelos jovens idealistas dos Anos de Chumbo e dos Anos de 1990, década da redemocratização do país, Geraldo Vadré tornou-se o íncone de uma juventude politizada e participativa que, hoje, infelizmente, foi substituída por uma juventude politicamente alienada e apática. A bem da verdade, jovens gerados no seio de um sistema de repressão ao desenvolvimento humano, engendrado por um modelo de educação formal castrador da capacidade de formação e exercício do senso crítico, instituído pela Lei 5692/1971, relativa a uma Reforma de Ensino implantada pelo MEC do Governo Militar que, pautada nos objetivos espúrios da dominação política, desumanizou a educação no Brasil – um dano que levaria décadas para ser completamente extirpado do seio social.
Nascido Geraldo Pedroso de Araújo Dias Vandregísilo,em João Pessoa-PB, em 12/09/1935, não foi à toa que Vandré abalou os alicerces do Governo Militar, em 1968 (ano da instituição do AI5), durante o III Festival Internacional da Canção, ao entoar, e ser seguido em coro pelo público que lotava o Maracanãzinho, o refrão da canção Pra não dizer que não falei das flores: “Vem vamos embora que esperar não é saber, quem sabe faz a hora não espera acontecer”.
Em decorrência do incômodo provocado nos militares, conforme seu próprio depoimento, Vandré se autoexilou no Chile, em 1969, receoso das possíveis consequências da sua provocação política, já que afrontar a DitaDURA era sinônimo de perseguição, prisão, tortura e assassinato, que foram muitos (com desaparecimento de corpos que, até a presente data, ou não foram encontrados ou não foram identificados). E tudo isto, a despeito de, recentemente, o Jornal Folha de São Paulo ter qualificado o dito regime político como uma simples DitaBRANDA.
Vale registrar aqui, que tal “abrandamento” gentilmente atribuído pelo jornal FSP, não é de se estranhar, uma vez que, junto daquele que sempre se disse sem nunca ter sido jornalista Roberto Marinho – proprietário das Organizações Globo, o senhor Octavio Frias era (e hoje é substituído nesses ideais pelo seu herdeiro) um fiel aliado e colaborador dos militares, como atesta o jornalista e articulista Laerte Braga (2009): “A FOLHA só fez disparar a metralhadora, ou entregar a navalha por baixo dos panos, ou dar a dica. Lá estão acostumados com esse tipo de negócio, na Ditadura seus caminhões eram parte do esquema Fleury, OBAN, essas coisas assim de ditaduras”. É, pois, fato comprovado, que muitos dos suspeitos de subversão ao regime e dos corpos de “subversivos” torturados e mortos nas dependências do DOP’s, em São Paulo, foram transportados nos caminhões baús dos jornais Folha de São Paulo e Folha da Tarde.
Um desses torturados é, sem dúvida, Geraldo Vandré, para cuja ausência definitiva da cena musical brasileira, aventou-se duas justificativas: a primeira, mais difundida, de que fora preso, torturado, castrado e, consequentemente, enlouquecido; a segunda, de que fizera acordo com os órgãos de repressão na sua volta e, para tanto, compusera Fabiana,em homenagem a FAB. Porém, informações confiáveis do jornalista Tato de Macedo dão conta de que a primeira opção é a correta. Segundo ele, “depois de ser torturado, vilipendiado, humilhado, Vandré foi internado numa clínica de recuperação. Não se suicidou por pouco, mas se isolou do mundo. Desse mundo (imundo) que os reacionários insistem em defender”.
Constata-se, pelo teor de suas falas em entrevistas, pontuadas por incoerências e absurdos, o trauma sofrido com a tortura: 1 – “Caminhando não era uma canção política. Era um aviso aos militares: ‘Olha gente, desse jeito não dá mais’. Eles (militares) nunca tocaram um dedo em mim.”; 2 – “Quando voltei do exílio, no final de década de setenta, meus companheiros me receberam com decepção, porque eu estava vivinho da silva, e eles me queriam mártir e morto. Seria para eles mais uma bandeira. E eu voltei doente e meio perdido em meu país, quando justamente os militares me acolheram e me deram tratamento médico, e me alojaram“. Importante observar que os amigos sempre souberam que ele estava vivo, e que ele voltou ao Brasil no início da década de 70, e não no final, como afirma na entrevista.
Pelo fato de ele ter regressado ao Brasil em 1973, com o Regime Militar atuando violentamente sob a égide do AI5, tem toda lógica a denúncia de que ele foi preso e vilmente torturado. Por que os militares seriam maguinânimos com um artista que teve a ousadia de enfrentá-los publicamente? Há que se considerar que o comportamento dele no exílio foi totalmente coerente com o Vandré compositor de Pra não dizer que não falei das flores, ao contrário do modo de agir algum tempo depois que regressou ao Brasil, pois totalmente alheio ao que antes era sua razão de viver: a música brasileira, sobre a qual, em 2004, emitiu essa opinão incompreensível: “Quase não a conheço, ouço mais música erudita, isso me interessa.”(?).
Tal quadro pessoal é confirmado por Celso Lungaretti (2009): “Reencontrei Vandré por volta de 1980 […] Reparei que ele continuava lúcido, ao contrário das versões de que teria ficado xarope por causa das torturas. Mas, perdera a concisão e clareza. Seus raciocínios faziam sentido, mas davam voltas e voltas até chegarem ao ponto. Para entender a lógica do que ele dizia, eu precisava ficar prestando enorme atenção. Era exaustivo. […] O mais importante que ele disse: estaria na mira de organizações de extrema-direita, inconformadas com o gradual abrandamento do regime. A censura finalmente liberara “Caminhando”, que fazia sucesso na voz de Simone. Vandré explicou que tinha de passar-se por louco pois, se ele tentasse voltar ao estrelato junto com a música, seria assassinado. […] A minha impressão é que, nordestino e machista, ele não aguentou admitir que fora quebrado pela tortura e pelos rigores do exílio. Então, preferiu desconversar, embaralhar as cartas, descaracterizar-se como ícone da resistência. Enfim, um caso que só Freud conseguiria explicar (e esgotar). De qualquer forma, aquele artista que tanto admiramos foi assassinado pelos déspotas, da mesma forma que Victor Jara e Garcia Lorca. Sobrou um homem sofredor, que merece nossa compreensão.”.
No vídeo ao lado, vê-se cenas de protesto público contra a morte de um dos heróis da resistência à DitaDURA Militar e, também, cenas da frustrada tentativa de atentado à bomba ao Riocentro, no dia 30 de abril de 1981, pelo Governo Militar, por agentes do CIE e SNI (o objetivo era matar centenas de cidadãos que assistiam ao show comemorativo ao Dia do Trabalhador), tendo ao fundo a pungente voz de Vandré entoando Pra não dizer que não falei das flores.
Importante lembrar que o Povo Brasileiro não está livre de um novo golpe militar como o de 1964, engendrado pela CIA, a mando do governo dos USA e incentivado por representantes da Igreja Católica Apostólica Romana (quem não se lembra da Marcha com Deus pela Liberdade?), sob a cumplicidade de uma apolitizada e ignorante sociedade civil, manipulada, através da Grande Mídia venal, por um propositado terrorismo de ameaça da instalação do Comunismo no Brasil, caso o Presidente João Goulart permanecesse no governo. Trata-se do mesmo argumento que a Grande Mídia de hoje está pregando nos seus jornalões (só que substituindo o Comunismo pelo Socialismo, como recentemente ocorrido no Golpe de Estado em Honduras), ao combater o Governo Lula e a sua candidata, a ex-militante da resistência ao Regime Militar de 1964 e ex-Ministra da Casa Civil Dilma Rousseff, presa e torturada por mais de três anos nos porões da DitaDURA. Portanto, uma sobrevivente do regime de chumbo.
Que a bela canção de Vandré e as cenas de violência dos militares da DitaDURA contra os cidadãos brasileiros mostradas no vídeo nos alertem para o perigo iminente de um novo Golpe de Estado, neste momento em que os líderes da mesma elite opressora de 1964 ‒ a extrema-direita reacionária do país (inclui-se nela a Grande Mídia) ‒ representados pelo candidato José Serra, querem de volta o poder perdido há oito anos para o atual governo, “acusado” por ela de socialista, equivocadamente, uma vez que empreendedor de uma indiscutível política neoliberal ‒ uma contradição prontamente assimilada por Vandré:
O povo no poder! Então o povo deve estar feliz e satisfeito. Mas não é bem assim, não é essa a realidade. O Lula faz o governo menos popular que já vi, e era dele que esperava-se um mandato voltado para o povo. Veja só que loucura, não acha? O problema do Brasil é na sua conjuntura,seus vícios homéricos e a falta de cultura de sua gente. Os políticos não têm interesse em educar, para não dar consciência política, percebe?! Não está diferente com o Lula, até porque eles venderam a alma para chegar ao poder, e suas boas intenções ficaram no discurso (GERALDO VANDRÉ, 2004).
LEILA BRITO
Belo Horizonte, 3 ABR 2010
Ilustrações:
Foto 1 – Vandré no Festival de 1968 – do Almanaque Jovem.
Foto 2 – Vandré em um bar na França com amigos, em 1970 – da matéria de Vitor Nuzzi.
Foto 3 – Geraldo Vandré – 1993 – Foto de Glória Flügel.
Referências:
ANÍSIO, Ricardo. Geraldo Vandré. Jornal O Norte. 1 fev. 2004. Disponível em: <http://www.ritmomelodia.mus.br/entrevistas/entrev%202004/02%20geraldovandre/geraldovandre.htm>. Acesso em: 3 abr. 2010.
BRAGA, Laerte. O poderoso chefinho. Vi o Mundo. 29 nov. 2009. Disponível em: <http://viomundo.naweb.net/voce-escreve/laerte-braga-o-poderoso-chefinho/>. Acesso em: 4 abr. 2010.
CARDOSO, Tom. Geraldo Vandré rompe o silêncio. Clique Music. 28 jul. 2000. Disponível em: <http://cliquemusic.uol.com.br/materias/ver/geraldo-vandre-rompe-silencio>. Acesso em: 3 abr. 2010.
LUNGARETTI, Celso. O Vandré que eu conheci. CMI Brasil. 23 mar. 2009. Disponível em: <http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2009/03/443234.shtml>. Acesso em: 4 abr. 2010.
Seu texto sobre o Geraldo Vandré está ótimo! Mas acredito ser necessária uma maior atenção quanto à referência ao governo petista (e aliados: PMDB & Cia.). Dilma aparece, em seu texto, como heroína! Para mim isso não faz o menor sentido, fatos passados não podem servir para caracterizações do presente. Presente é presente, senão, nesta ótica temos o Super Gabeira lutando contra as forças das trevas! O governo Lula tem um papel claro no processo político atual do Brasil, acredito que em relação a isso temos fortes divergências.
Beijos
Gustavo,
Aceito sua crítica sobre a classificação da Dilma como heroína. Retirei-a. Agora ela está classificada apenas como uma sobrevivente da DitaDURA – uma verdade factual.
Quanto ao Governo Lula, eu fui clara – trata-se de um governo neoliberal. E ainda afiancei essa afirmação com a citação do Vandré. Onde está o problema?
Importante esclarecer que este artigo é sobre o Vandré, e o comentário sobre o Governo Lula é apenas complemento, uma contextualização da atual realidade política vista pelo Vandré. Não cabe, portanto, eu aprofundar sobre ele, falando sobre qual o seu papel no processo político, senão fugiria do tema central abordado: Vandré. E o artigo ficou muito extenso.
Ao contrário do que você sugere, não exaltei o Governo Lula nem o vi por uma ótica otimista e muito menos socialista. Contrariamente, eu o classifiquei como é: um governo ancorado no neoliberalismo. Ou seja: fui fiel à verdade factual.
Adorei ter você aqui. Grata pela participação.
beijo,
Mami
Desculpe pelo não entendimento, vai ver é o sono (trabalhei de madrugada hoje). Devo ter embolado a parte do Vandré “perturbado” com o “sóbrio” e não compreendi onde era crítica e onde era apoio! rsrsrsrsr Beijos
Prezada Leila
Oportuna e honrosa sua menção ao GV (Grande Vandré).
Carregar um fardel traumático e ser diferente não é demência.
O Vandré é mais um que resiste às artificialidades midiáticas e vive “na dele”. Talvez o tempo irá delir as amarguras do seu coração.
Abraço e um queijo
Volnei
Volnei…
Que bom ter você de volta ao Chá.com Letras!…
Senti falta de sua presença marcante pelas palavras sempre coerentes com sua sensibilidade humana.
Abraço…
Leila, esse texto me fez relembrar os meus tempos de adolescente, em que eu e meus amigos dedilhávamos as cordas do violão buscando os acordes da música “Pra não dizer que não falei das flores”. Lembro-me que todo iniciante no violão começava dedilhando essa música.
Não sabíamos na época, com clareza, quanto sofrimento essa música tão linda desencadeou para o seu autor. Por mais que especulemos a respeito, acredito que nunca alcançaremos a dimensão do sofrimento que Vandré passou. Gostei muito de ler sobre ele. E se eu pudesse concretizar um desejo, o meu desejo seria que ele ficasse em paz, que toda mágoa de seu coração fosse abrandada, e que Deus lhe desse o entendimento e compreensão, para que ele visse com total clareza que todos os causadores dos sofrimentos impostos não só a ele, mas a muitos outros compatriotas, são “seres humanos” e, como tal, passíveis das maiores atrocidades e monstruosidades.
Hoje no Brasil temos que continuar lutando, nos organizando para enfrentar injustiças e descasos. A luta continua, pois hoje os militares foram substituídos pelas grandes organizações. Entre essas organizações estão as redes de imprensa do nosso país; não podemos mais ouvir uma informação sem depois ter que checar para comprovar a veracidade. Tentam manipular a opinião pública a todo instante. Tratam o povo como se fossem marionetes, e infelizmente, por causa da grande falta de informação e interesse do povo, eles acabam levando “gato por lebre”.
Poderia, também, fazer mil conjecturas para o “sair de cena” de Geraldo Vandré. Porem, eu não sei nada a respeito dos sentimentos desse cidadão. E só me resta prestar a minha homenagem e o meu respeito ao artista e ao cidadão brasileiro.
Leila, sobre Vandré tambem já tentei buscar respostas, pesquisei até, mas foi decepcionante, acho que independente de tortura fisica, existe o destroçamento emocional do artista. Não suportou viver fora do seu país por não achar que tivesse cometido algum crime e não fazer parte de nenhuma organização politica.O que o levou a viver nas dependencias da aeronautica para se tratar como já li em algum lugar, deve ter sido uma adesão, para viver em paz, é a unica resposta que encontrei , e que destroçou a imagem que representava para toda uma geração. O Vandré poeta, aquele dos festivais é grandioso, apesar de tudo. Respeito o seu silencio incomprendido por antigos colegas e amigos, só ele sabe das agruras da sua sobrevivencia.
Caríssima amiga Leila parabéns pelo seu trabalho e pela dedicação com a qual você exprime toda a sua potencialidade seja como artista, poetiza, ou historiadora, é muito bom saber que Brasil ainda há pessoas como você que é capaz de mostrar por intermédio da sua alma de artista que um outro país e um outro mundo bem melhor é possível, basta se doar como você o faz. Parabéns mais uma vez pela publicação da matéria sobre Geraldo Vandré, assim se faz reviver a memória do nosso país. Um grande abraço do seu amigo de São Paulo. Leon Diniz
Caro amigo Leon…
Lá se vai mais de ano que nos conhecemos na Folha de São Paulo, no Fórum de Gaza, de onde fui expulsa, junto com o Dr. Olivério Carvalho, por defender os palestinos e condenar os judeus-sionistas pelo massacre do povo palestino, com base nos textos da histórica e controvertida ata sionista “Os Protocolos dos Sábios de Sião” e em textos de historiadores revisionistas da História da Segunda Guerra Mundial, que questionam o Holocausto como é contado e explorado (política e financeiramente) pelos ardilosos e gananciosos judeus-sionistas.
O importante disso, Leon, foi a amizade que restou entre nós, originada na revolta do ataque a Gaza que, infelizmente, se faz sentir, agora, pelo ataque à flotilha humanitária que levava socorro àquele sofrido povo em franco processo de lento e aterrorizante genocídio pelo GOVERNO TERRORISTA DE ISRAEL – o que há de mais asqueroso sobre a face da Terra, ao lado do GOVERNO TERRORISTA DOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA DO NORTE, que não mudou nada, meu amigo, com a eleição do Obama, que tanto defendemos nos fóruns da também SIONISTA FOLHA DE SÃO PAULO. Como se pode constatar agora, ele não passa de um covarde CÚMPLICE das atrocidades praticadas pelos sionistas na Palestina, no Iraque e no Afeganistão.
É uma alegria recebê-lo no Chá.com Letras. Volte sempre e participe com seus preciosos comentários.
Abraço,
Leila
Texto muito bom, um resgate do grande Vandré. Presente é presente, sim, e reflete as lutas e os heróis do passado, e sem dúvida, Vandré merece o nosso apreço pelo grande artista engajado que foi no passado.
E como não pode ser dois pesos e duas medidas, grande Dilma, também uma heroína da passado, sim, um passado do qual penso que ela deve se orgulhar. Foram outros tempos e a resistência tinha suas formas. Cada um com sua contribuição.
Seja bem-vinda ao Chá.com Letras, Ana.
É uma alegria recebê-la.
Abraço,
Leila