“Higesipo Brito” por Higesipo Brito (Cap. III)
Vista parcial da Vila de Catas Altas da Noruega
AS MEMÓRIAS DE UM MENINO, DE UM RAPAZ, DE UM HOMEM
HIGESIPO BRITO
Em 1929, próximo ao final do ano, o Pai de Higesipo pensou em mudar-se com a família para Belo Horizonte, depois de dar uma volta por lá, e entrado em entendimento de compra de uma área equivalente a sete quadras na avenida Afonso Pena, nas proximidades da praça Tiradentes. Motivo pelo qual vendeu todo seu acervo – inclusive muares e gado existente. Também os equinos. Isso, em princípios de 1930.
Preparavam a mudança quando, de repente, estourou a Revolução de 30. Aliancistas comandados por Getúlio Dornelles Vargas e João Pessoa, da Paraíba, contra Washington Luiz e Júlio Prestes. Este havia sido eleito e seria empossado ao término do mandato de Washington Luiz. Inconformados com a derrota eleitoral, Getúlio Vargas e João Pessoa idealizaram, e ato contínuo, puseram em prática o ato revolucionário, tendo em vista a tomada do poder.
Na contingência de ter que entregar as propriedades vendidas, o pai de Higesipo viu-se obrigado a mudar com a família para a Vila de Catas Altas da Noruega. Isto em caráter provisório. Pensando na possibilidade de um recrutamento militar, ou até mesmo de reações partidárias locais, mesmo porque a cobra estava fumando, o pai de Higesipo fez um alçapão no assoalho da sala, onde ele e José – em caso de necessidade – se esconderiam.
Revolução de 1930
Seriam esses os soldados desfeiteados por Artur Sapo?
– Menino… Não foi nada não! Alguns soldados desertores procedentes de Conselheiro Lafaiete chegaram a Catas Altas já altas horas da noite, e um tiroteio de fuzis retumbou em toda a Vila. Ocorreu que, cansados e famintos, bateram na porta da casa do Artur Sapo. E ele recusou-se a recebê-los. Ou melhor, recusou-se a abrir a porta e recebê-los. Ao ouvir o tiroteio, que retumbou por toda a Vila, o pai e o irmão deste relator, apavorados, correram e se esconderam debaixo do assoalho. Os demais aliancistas, certamente, se esconderam, mas de qual modo, eu não me recordo. E os prestistas? Alguns deles, os mais importantes da política da Vila, correram para a casa de um amigo morador nas proximidades denominada Falhado. Entraram em um galinheiro. E quietinhos. Boca calada. Acomodaram-se debaixo dos puleiros, e quando amanheceu, estavam daquele jeito. Foi muito engraçado. Quanto aos desertores, Vicente Pampinha, irmão e vizinho de Arthur, ouvindo o tiroteio, abriu a porta de sua casa, e tomando conhecimento do ocorrido, convidou os militares para entrarem, providenciando no sentido de alimentá-los. E com isso, tudo bem. Tudo na santa paz.
Achando-se – com a família – residencialmente instalado na Vila, Secundo desistiu da mudança anteriormente sonhada, instalando-se comercialmente, aos moldes do comércio conforme citado no capítulo anterior, adquirindo – ato contínuo – uma área de pastagem com dezoito hectares localizada na entrada da Vila. Motivando a aquisição da área de terreno, além do emprego do dinheiro, a pastagem para um cavalo que havia sido reservada quando da citada venda dos equinos. Era uma área de terra denominada Atrás do Engenho, onde existia uma biquinha de água potável, da qual várias famílias se serviam. Distante mais ou menos trezentos metros da casa onde residia a família. O pequeno menino – que relata a presente história – obrigatoriamente, pela manhã e à tarde, tinha que levar, na medida da altura de suas forças, tantas quantas latas d’água fossem necessárias para encher um barril de cem litros.
Naquela época, usava-se fogão exclusivamente à lenha. Por isso, a manutenção era por demais penosa, pois a lenha era transportada em feixes, na cabeça, e a fonte produtora – o mato – era longe. Mas… O que fazer? Ir atrás. Buscar a lenha onde ela fosse encontrada. Aí então, fazia-se – de uma vez só – três caminhos de lenha. Era a denominação que se dava. Fazia-se três feixes. E num sistema da divisão da distância total, leva um e busca o outro, fazia-se o abastecimento. Sem raciocinar que a distância percorrida – daquela forma – ficaria duas vezes mais longe.
Rua das Goiabeiras – Catas Altas da Noruega
Decorridos dois anos, aproximadamente, a família mudou-se para a Rua das Goiabeiras, passando a residir em casa própria, onde nasceu o último filho – Cícero. Com a existência de uma cisterna na nova propriedade, foi superado o transporte humano de água. A nova propriedade também era dotada de uma quadra de terra cultivada de café, banana etc. Talvez, por isso, não dispunha de uma dependência sanitária, o que levou Higesipo a construir uma fossa, proporcionando à família esse necessário e até mesmo indispensável conforto.
HIGESIPO BRITO
Rio Acima, SET 1995.
A narrativa do autor prossegue em próxima postagem.
Referência:
BRITO, Higesipo Augusto de. As memórias de um menino, de um rapaz, de um homem [Rio Acima, set. 1995. 17 f. Mimeografado]. Chá.com Letras, ago./set./out., 2013.
Revisão, pesquisa de imagens e edição:
Leila Brito
Ilustração:
Foto 1 – Vila de Catas Altas da Noruega – autor desconhecido. Arquivo da Prefeitura Municipal de Catas Altas da Noruega-MG. Disponível em: <http://www.catasaltasdanoruega.mg.gov.br/mat_vis.aspx?cd=6495>.
Foto 2 – Waldemar Levy e tenentes durante a Revolução de 1930, em São Paulo – Autor desconhecido. Foto cedida por Waldemar Levy Cardoso ao Acervo “Memória Petrobras”. Disponível em: <http://memoria.petrobras.com.br/depoentes/waldemar-levy-cardoso/revoluao-de-1930#.UhWPo45UAy4>.
Foto 3 – Rua das Gioabeiras – Catas Altas da Noruega – Foto de Heberson Lobo. Disponível em: <http://www.juanjosemora.com.ve/brasil/foto.php?id=770426>.
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