In Memoriam
Moeda – 1920 / Belo Horizonte – 2011
REVERENCIANDO MARIA
LEILA BRITO
Maria, Maria é um dom / uma certa magia / uma força que nos alerta…
Maria, Maria é o som / é a cor / é o suor / é a dose mais forte e lenta…
Permito-me a delirante, porém coerente ousadia de supor que, quando Milton Nascimento compôs esse poema suavemente musicado com o merecido impacto sonoro, ele estava sob o efeito devastador da poética de Adélia Prado que, como poucos artesãos da palavra, vem alcançando, com uma fidelidade intimidadora, o sentido e o desafio de ser mulher nesta e para esta vida: “Ser mulher ainda dificulta muito as coisas. Muita gente boa ainda pensa, em pleno século quase vinte e um, que mulher é só seu oco. Fosse só assim a gente não tinha coração nem cabeça, precisava nem ser batizada. Mas digo que tem e igualzinho a dos homens: boa e ruim. Jesus, muito mais antigo que nós, entendeu isto direitinho”.
Apresentada pelo Francisquinho à nossa Maria, de pronto, a sensível poeta, mulher que nem ela, mineira que nem ela, idosa que nem ela, crente em Deus que nem ela, passiva que nem ela mas também resistente que nem ela, se reconheceu em cada palavra vertida sobre a humilde submissão do seu papel social de suprir marido e filhos de alimentos e cuidados, pela identificação do mesmo desejo esquecido no cansaço de cada dia: “Riqueza pra mim era se eu pudesse não levantar de manhã cedo, com alguém fazendo as coisas pra mim, soltando o cachorro, pondo o feijão no fogo, coando e levando o café na cama pra mim. Tem maior conforto não. Quando o sol esquentasse, aí eu levantava, ia mexer nas coisas devagarinho”.
Maria comemorando seus 90 anos com sua prole,
menos Britinho, falecido em 02/09/1998.
E na impossibilidade desse merecido conforto, a nossa Maria sentia-se gratificada pelo milagre alcançado com a existência de saudáveis e ruidosos filhos: Britinho, Stela, Humberto, Leila, Francisquinho, Ângela, Riva, Guida, Clarinha e Geninho que, num imperioso e incansável revoar no espaço ainda reduzido de suas liberdades, respondiam positivamente à educação transmitida por ela e Higesipo, atendendo à sua prece diária: “peço à Sagrada Família que faça a nossa casa ter uma natureza de alegria, um sentimento seguro, formado pela cantiga na boca, pela mão cozendo, cozinhando, acarinhando, sem as profundas vaidades que esvaziam o coração e nos deixam tão fracos”.
Isto porque, pensava ela que nem Adélia: “Obrigação nossa de pai e de mãe, é dar amor perfeito, é falar olha fulano é assim, assim, assado, Deus existe, esta vida tem fim, estamos aqui é emprestados, a fim de fazer o bem, amar nossos semelhantes. É debater com eles quando as tiriricas das más companhias e das influências ruins ameaçar a lavoura. Eu tenho para mim, depois que a gente tem filho só existe uma tarefa para fazer: cuidar deles. O que está mais perto do amor de pai e mãe é ódio de pai e mãe. Que graça tem meu boteco prosperar se faltar alegria dentro da minha casa? Segue o fio da amargura das pessoas para ver onde ele vai parar: esbarra no pai e na mãe. Não tou falando que a bondade do pai e mãe acaba com o sofrimento das pessoas, não; […] Eu só quero dizer que se a gente se esforçar para ser pai e mãe com decência, parar de pensar na gente, para se incomodar mais com esses que nós pusemos no mundo, eles vão dar conta de sofrer sem perder a esperança.”
Higesipo Augusto de Brito Júnior – Britinho
Rio Acima-MG – Anos 1960
Como toda Mulher-Mãe que assumiu missão incompatível com sua própria fragilidade humana, “A mãe era desse jeito: […] Sofria palpitação e tonteira, lembro dela caindo na beira do tanque, o vulto dobrado em arco, gente afobada em volta, cheiro de alcanfor. […] A senhora tá triste, mãe? eu falava. Não. Só tou pedindo a Deus pra ter dó de nós.” Por outro lado, “A mãe era um estrago de braba, mas quando eu lembro dela me castigando com um safanão do pente na cabeça e me fazendo dois molhos de caxinho pra eu ir bonita pra escola, me dá um engasgo, uma saudade sem remédio, uma vontade de ser pobre igual antigamente, só pra escutar ela falar: já tá ficando uma mocinha, umas roupinhas melhores… e o pai: moça bonita precisa disso não… Eh, meu Deus, quanto jeito tem de ter amor!”
Como Adélia, a nossa Maria também era encantada por São Francisco de Assis e parecia imitá-lo em sua vida de devotada renúncia, mostrando entender, como o Santo, que “a simplicidade não acha que as melhores glórias são as da cultura, e por isso prefere fazer e não aprender ou ensinar”. Condoía-se com as dificuldades daqueles que amava, dividindo o pouco que tinha como se seu gesto reproduzisse o milagre da multiplicação dos peixes. Por isso, certamente, o generoso Irmão Francisco debruçou-se sobre seu leito agonizante e disse baixinho no seu ouvido, fazendo resplandecer de alegria a sua alma:
O Senhor te abençoe e te guarde,
Volta a ti o Seu Rosto e se compadeça de ti,
O Senhor te dê a paz.
Referência:
PRADO, Adélia. Solte os cachorros. Rio de Janeiro: Record, 2006. p. 27, 29, 38, 39 e 95.
Referência deste ensaio:
BRITO, Leila. Reverenciando Maria.Belo Horizonte: Chá.comLetras, 20 out. 2011.
Ilustração:
Fotos de família
Que linda maneira de mostrar a história de vida de seus pais, querida… Me partiu o coracao mas acalentou a alma! Parabéns pelo maravilhoso trabalho de arte!
Oi, Leila.
Lamento pela perda. Que coincidência foi a data; quase no mesmo dia do seu pai. Que Deus a tenha colocado juntinho dele.
No entanto, agradeça a Deus por ter proporcionado um bom tempo para ela. A minha mãe estaria com 83 se não tivesse acontecido aquela desgraça. Mas, só Deus sabe das coisas.
Bjs.
Terezinha
Queridas amigas Cleo e Terezinha…
Gracias pela honra de amizades preciosamente eternas.
Terezinha, é impossível esquecer o aprendizado compartilhado com a colega de carteira do Grupo Escolar – 1955/1958.
Cleo, é impossível esquecer o conhecimento compartilhado naquele harmonioso ambiente de trabalho no Depto de RH da Fundação Educar que somente você poderia nos proporcionar.
beijo carinhoso…
Leila
Querida Leila, estamos aquí é emprestados, a fim de fazer o bem, coisa que a doce Maria fez passando para seus entes queridos o amor da família unida compartilhando sentimento seguro.
Meus mais sinceros sentimentos pela partida da Maria.
Marilda Oliveira – SP
Olá, Leila.
Perdi meu pai em julho deste ano, sei o que é saudade recente. Digo saudade recente, porque concordo que saudade não tem remédio. Simplesmente ela torna-se suave e nos acompanha por toda vida. É certo que seja assim, afina, saudade sentimos do que é bom e dos que amamos. Sendo assim, vamos reavivar nossas lembranças e adoçar nossa saudade para vivermos com amor essa vida até a nossa partida.
Prezada Leila!
Ainda não inventaram a palavra que consola diante de perdas tão significativas.
Dizer o quê, gente!?
Assim, só me resta “parabenizá-la” por essa família que lhe permite um mundão de momentos inesquecíveis.
Solidarizo-me com a sua Dor – a Dor de todos nós!
Um abraço!
Valter
Leila,
Soube do falecimento de sua querida mãe e não tive tempo de te ligar ou enviar uma mensagem. Mas me emocionei com suas belas palavras.
Mas receba a minha solidariedade e abraço fraterno.
Saudades vai ficar, guarde os bons momentos que esteve ao lado dela e a entrega nas mãos de DEUS para que ele a receba e que ELE conforte você e todos os seus familiares. Mas bola pra frente amiga que a vida infelizmente continua.
Edina Moreira
É, não se fazem mais Marias como antigamente…
Mãezona de marido e vários filhos…
Deve ter sido feliz, para chegar a idade que chegou…
Meus sentimentos pela perda e meus parabéns pelo iluminado texto.
Oh, Leila, que linda homenagem aos seus que se foram. Fiquei emocionada e foi impossível não lembrar dos meus. Meu pai(81 anos) se foi e minha mãe(76) que não tinha nada, foi atrás. Em 3 meses, perdemos os dois e em uma semana acabamos com a casa deles, no desespero do momento. Isso foi há onze anos, mas parece que foi ontem. A lembrança do que eles foram permanece e a saudade também! Ainda bem que tivemos pais inequecíveis!!!
Um forte abraço,
anatereza
“Inesquecíveis”, é o que sempre serão…..